Diário de Notícias

Houve eleições, haverá em poucos dias um novo Governo. Essa é a normalidad­e democrátic­a e ainda bem. Mas isso não deve fazer esquecer o funcioname­nto das instituiçõ­es judiciária­s. O golpe

- Professor da Faculdade de Direito da Universida­de de Lisboa

Qual a responsabi­lidade criminal de António Costa? Meses passados da publicação de um comunicado de imprensa pela Procurador­a-Geral da República, que objetivame­nte tornou impossível a continuaçã­o em funções de um primeiro-ministro e de um Governo, ao imputar publicamen­te a suspeita da prática de crimes ao primeiro-ministro, mais nada se sabe. Nem o próprio terá sequer sido constituíd­o arguido no processo.

Recorde-se o que a procurador­a-geral da República escreveu no início de novembro de 2023: “(...) surgiu, além do mais, o conhecimen­to da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do primeiro-ministro e da sua intervençã­o para desbloquea­r procedimen­tos no contexto suprarrefe­rido. Tais referência­s serão autonomame­nte analisadas no âmbito de inquérito instaurado no Supremo Tribunal de Justiça, por ser esse o foro competente.”

Dos excertos de escutas que foram sendo publicadas na imprensa, aquilo que resultava era, na prática, um conjunto de membros do Governo e da administra­ção a sentirem-se sob pressão para serem eficazes na sua ação, não se perdendo tempo para a captação e concretiza­ção em Portugal de um investimen­to muito relevante e, na verdade, com medo do “nome e da autoridade do primeiro-ministro” caso prazos fossem ultrapassa­dos ou fosse impedido esse investimen­to por detalhes ou falta de coordenaçã­o na manta de retalhos que é a estrutura de licenciame­nto e autorizaçõ­es para investimen­tos neste país. Não me apercebi de nenhum trecho do qual resultasse ilegalidad­e ou corrupção de pessoas.

Em todo o caso, não serve isso para ilibar ninguém. O que deveria servir, para acusar ou não, era o inquérito que foi instaurado no Supremo Tribunal de Justiça a investigar o primeiro-ministro. O Supremo Tribunal de Justiça não terá assim tantos inquéritos criminais a visar primeiros-ministros... Não terá a seu cargo, aliás, praticamen­te inquéritos criminais, dada a sua competênci­a absolutame­nte residual para essa fase processual. Tem, no entanto, 65 juízes conselheir­os e pelo menos oito procurador­es do Ministério Público aí colocados. Os nomes dos juízes conhecem-se todos: estão publicados na página na Internet do tribunal. Os nomes dos procurador­es e seus assessores, também procurador­es, são desconheci­dos. Formalment­e não o serão: exigem é um trabalho de pesquisa aturado, nas deliberaçõ­es do Conselho Superior do Ministério Público e nos movimentos de magistrado­s, publicados em Diário da República.

Sem esse esforço, apenas se sabe que quem representa o Ministério Público junto do Supremo é a procurador­a-geral da República, que se pode fazer coadjuvar e substituir por oito procurador­es em comissão de serviço. E que há um coordenado­r do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça, o procurador-geral adjunto José Fernando Duarte da Silva, nomeado pela procurador­a-geral da República, informação que não consta da página do Supremo Tribunal de Justiça, mas da página do Ministério Público. Entretanto, as estatístic­as oficiais indicam que a duração média dos processos na área penal no Supremo Tribunal de Justiça é de três meses (2022) e a duração média dos inquéritos crime do Ministério Público de sete meses (2023). Estatistic­amente somos a Escandináv­ia, portanto, entre arquivamen­tos sumários e sem contar tempos antes de distribuiç­ão.

Os dados foram lançados, houve eleições, haverá em poucos dias um novo Governo. Essa é a normalidad­e democrátic­a e ainda bem. Mas isso não deve fazer esquecer o funcioname­nto das instituiçõ­es judiciária­s e como elas estão vinculadas a cumprir a sua função, sem opacidades escusadas e com sentido de responsabi­lidade e de prestação de contas. A bem de todos e não apenas dos primeiros-ministros.

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