Mais de 2000 universitários protestaram em Lisboa contra custos da habitação e propinas
Deslocaram-se de todo o país para marcharem entre o Rossio e a Assembleia da República. Os preços dos quartos e a falta de oferta de camas públicas é o principal motivo de uma luta que inclui outras reivindicações.
A “minha mãe faz limpezas. O meu pai há muito tempo que se foi embora, sou filho de pais separados. Se não tivesse conseguido ajuda familiar, para ficar os primeiros tempos no Porto, não teria podido entrar no primeiro ano do mestrado”, conta João Alves, natural de Guimarães e estudante de mestrado em Planeamento Urbano, na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. “Já tinha bolsa de estudos, desde a licenciatura, e agora consegui novamente. Depois, precisei de arranjar lugar numa residência. Ao fim de muito tempo, lá consegui um quarto na residência pública do Campo Alegre, que fica a meia hora de transportes da faculdade.”
Sem dinheiro para pagar um alojamento no mercado privado, João tem de se sujeitar às condições da residência universitária pública. “A residência tem condições limitadas, como todas as residências do Porto, que estão completamente degradadas”, avança. “Felizmente tenho um quarto só para mim, mas os quartos são minúsculos e ouve-se tudo, de uns para os outros. Só temos duas casas de banho para 14 pessoas, portanto a higiene também não é a melhor.” E até já ficou sem conseguir jantar porque tem “uma cozinha partilhada”onde não é possível cozinharem “todos ao mesmo tempo”.
Motivos mais do que suficientes para fazerem João viajar, de propósito, do Porto até Lisboa, ontem, para participar na marcha “Teto e Habitação; Um direito à educação”. “Há cerca de 12 mil camas públicas pelo país inteiro e a população estudantil deslocada ronda os 120 mil estudantes, o que é completamente desproporcional. Desde que comecei a tirar a licenciatura que o meu único rendimento era a bolsa. Ainda trabalhei mas deu mau resultado, porque deixei três cadeiras para trás. O rendimento académico foi muito baixo e, ainda assim, não conseguia ter dinheiro para nada, porque só 80 euros por mês iam para a propina”, pormenoriza.
Com a mãe a receber muito pouco, nas limpezas, João via-se obrigado “a contar os cêntimos” para ver se conseguia deslocar-se até à universidade. “E, muitas vezes, ti
Renato Daniel, ao centro, é o presidente da Associação Académica de Coimbra, que lançou o mote para a manifestação.
nha de calcular se, à sexta-feira, valia a pena ir à aula, porque não tinha dinheiro suficiente”, prossegue o estudante vimaranense. “É por tudo isto que aqui estou, para dar força a esta luta. Nenhum estudante, pelas suas condições socioeconómicas, deve ficar de fora do ensino”, reclama.
“Queremos responsabilizar os novos 230 deputados”
Renato Daniel, 23 anos, presidente da Associação Académica de Coimbra, que lançou o repto para esta manifestação, avisa: “Queremos responsabilizar os novos 230 deputados para que um dos tópicos principais da sua agenda seja o ensino superior mas também a habitação juvenil, que é uma das maiores pandemias que assola neste momento o ensino superior”.
O dirigente académico explica ainda que o principal motivo que trouxe tantos estudantes a Lisboa – em autocarros, de todos os pontos do país, mas também das diversas faculdades da capital – foi mesmo os problemas habitacionais. “Deslocámo-nos para reivindicar por
João Alves, ao meio, conseguiu vaga numa residência pública.
‘Teto e Habitação; um direito à educação’. Foi este o apelo passado por nós e pelo movimento associativo, na globalidade. Sabemos que há vários tipos de reivindicações, mas aquela que nos traz a Lisboa é, sobretudo, a habitação, porque é o maior problema que os estudantes do ensino superior que estão deslocados, e são muitos, enfrentam”, enfatiza o líder estudantil.
Para minimizar o abandono dos estudos por falta de meios, a Associação Académia de Coimbra criou um programa próprio de apoio aos estudantes, denominado Fundo de Ação Social António Luís Gomes. “Este fundo vive, única e exclusivamente, de verbas que nós vamos conseguindo, quer seja através da Queima das Fitas ou de outras pequenas iniciativas que vamos pro
movendo”, explica Renato Daniel. “Vamos ajudando os alunos, senão, claramente, teríamos um abandono muito superior ao que temos hoje, em Coimbra. Mas acredito que seja igual por todo o país”, acrescenta.
Foi também de Coimbra que veio Ricardo Morais, estudante de Ciências da Educação. “Sou de Mirandela e escolhi Coimbra porque tinha o sonho de estudar nesta cidade”, avança. “Estou num quarto onde pago 150 euros por mês. Tive sorte, porque não é muito. Mas isto é uma luta de todos. Não é pelo facto de ter esta sorte que me impede de estar aqui a lutar pelos outros”, afirma, solidário.
Carolina Fernandes, 21 anos, estudante de Artes Plásticas da Faculdade de Belas Artes do Porto é estudante deslocada, natural de Viseu. Ao quarto, pelo qual paga 265 euros, sem despesas incluídas, ainda tem de somar as despesas com material escolar para o curso. “Os custos com material são muito elevados. A faculdade não os tem e somos nós que temos de comprá-los. É uma luta de todos”, conclui.
“A escassez de água está a ser resolvida muitas vezes da forma errada”, lamenta a investigadora Maria João Feio.
Ainvestigadora Maria João Feio olha para o Dia Mundial da Água com uma visão holística, que nunca se limita ao que é “a água para beber ou para regar, mas antes como algo que permite a existência de uma série de seres vivos, de biodiversidade muito alargada”. A verdade é que o ecossistema onde cabe toda a fauna e flora é mantido “não só quando a parte físico-química da água está em boas condições, sem poluição, mas também quando todos os elementos lá estão: os processos ecológicos a funcionar como deviam”.
Há anos que esta investigadora do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente e do Departamento de Ciências da Vida da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra – se dedica a compreender toda a ecologia dos rios. À medida que o tempo avança, lamenta que a legislação
– que existe – não seja aplicada, por forma a garantir que possamos ter mais e melhor água. Por outro lado, apesar de todos os esforços do MARE, nomeadamente com atividades junto da sociedade civil, desde os mais novos aos adultos, não lhe parece que exista ainda uma consciência da importância de gerir bem os recursos como a água. “O que me parece é que as pessoas têm a consciência da importância da água não estar poluída, mas não aquela de que a água está integrada nos ecossistemas, e que para estar em boas condições o ecossistema também tem que estar”, afirma ao DN, sublinhando que essa não é uma lacuna apenas do cidadão comum, mas estende-se aos decisores políticos, nomeadamente autarcas. O mesmo acontece com quem gere indústrias ou zonas agrícolas: “Não há essa consciência e isso é uma pena, porque leva à destruição do ecossistema. Por exemplo, uma questão simples como cortar a vegetação toda das margens , muitas vezes feito pelos agricultores ou pelas juntas e Câmaras, é feito porque as pessoas não percebem que aquilo faz parte do ecossistema, sendo essencial para a sua manutenção e para garantir a qualidade da água.”
“Habituámo-nos a abrir a torneira como se o gesto fosse uma coisa natural e abundante, mas já não estamos nesse ponto”, recorda Maria João Feio. Afinal, a água doce deveria ser vista como um bem escasso, “não só porque vivemos num país onde metade tem um clima mediterrânico bem marcado, e sabemos que, pelo menos, no verão há sempre menos água”. Mas neste cenário de alterações climáticas, essa escassez de água vai aumentar. E em zonas que eram tipicamente mais temperadas, e que até tinham mais água no inverno, “começam a sentir mais cedo a falta”, adverte.
A investigadora lembra que, ao haver menos quantidade de água, acaba por existir uma maior concentração dos organismos poluentes. Ou seja, não é apenas o caso de menos água, mas também em piores condições.
O aumento no regadio e a ilusão das barragens
No que respeita à utilização da água, Maria João Feio destaca ao DN o aumento na agricultura de regadio, nomeadamente em áreas onde não era típica, em zonas mais secas do país, como no Alentejo. “Passámos a ter que regar certo tipo de culturas, e depois pensa-se em reter mais água e fazer mais barragens. Ora isso leva a transformar os rios em lagos, e com isso pioramos não só a qualidade da água (está mais tempo parada, acumulam-se mais poluentes) como propiciamos as espécies invasoras, que vão competir com as nossas nativas. Além disso, a floresta ribeirinha muda, e passa a ser dominada por plantações que estavam mais altas”.
“Nós estamos a tentar resolver um problema, criando outro. Fazendo mais retenção de água vai levar a uma qualidade de água pior”, considera a investigadora. “A escassez de água está a ser resolvida muitas vezes da forma errada”, acrescenta Maria João Feio.
Em teoria, todas estas questões deveriam estar na agenda, tendo em conta as diretivas europeias como aquela que obriga a melhorar os ecossistemas aquáticos e a criar planos de gestão das bacias hidro