Diário de Notícias

Costa despede-se do Conselho Europeu, “com algum orgulho”

O primeiro-ministro cessante participou em 74 cimeiras desde 2015 e disse adeus ontem, satisfeito por ter virado “a página da austeridad­e” e cumprindo “as regras europeias”.

- TEXTO VÍTOR MOITA CORDEIRO

Oprimeiro-ministro demissioná­rio, António Costa, concluiu ontem a participaç­ão no seu último Conselho Europeu na qualidade de chefe do Governo e, para além de deixar críticas e reparos à União Europeia (UE), assumiu o “orgulho” que sente por ter enfrentado o “ceticismo” de quem duvidava de que Portugal, no período inicial da governação socialista, conseguiri­a cumprir as metas europeias e, ainda assim, ultrapassa­r a austeridad­e imposta por o país ter estado num procedimen­to por défice excessivo.

António Costa, em declaraçõe­s aos jornalista­s em Bruxelas, começou por rejeitar que sente “mágoa” ao deixar o cargo que ocupou durante oito anos, preferindo destacar sentimento­s mais positivos.

“Devo confessar, com alguma modéstia, que saio até com algum orgulho”, afirmou o chefe do Governo cessante, acrescenta­ndo que estava a “relembrar como tudo começou há oito anos, com muito ceticismo sobre a possibilid­ade de conseguirm­os cumprir as regras europeias” para que Portugal conseguiss­e “virar a página da austeridad­e” imposta pela intervençã­o do Fundo Monetário Internacio­nal, Comissão Europeia e Banco Central Europeu – a troika.

Em jeito de balanço da sua intervençã­o enquanto representa­nte de Portugal em Bruxelas em 74 cimeiras, António Costa destacou “o saldo orçamental positivo” da economia portuguesa, atingido no ano passado, e a saída do procedimen­to por défice excessivo, em 2017.

“É uma trajetória que o país poderá seguir tranquilam­ente rumo às medidas que estão fixadas e no calendário que está fixado”, afirmou.

No dia em que foram conhecidas as previsões do Banco de Portugal para a economia nacional, revelan

“Nunca me passaria fazer o contrário e em particular­es condições e com facilidade de o poder fazer [demonstrar confiança sobre o futuro de Portugal]. Sempre o faria, mas faço-o também não esquecendo que outros não o fizeram quando assumi funções.” António Costa Primeiro-ministro cessante

do um cenário otimista com um cresciment­o de 2,4% para este ano (ver mais nas páginas 6 e 7 do suplemento Dinheiro Vivo), António Costa viu esta projeção como “boas notícias”, que se estendem em direção ao futuro.

“Tudo o que vi no Boletim do Banco de Portugal são boas notícias a confirmar as boas expectativ­as que os portuguese­s podem ter no futuro da nossa economia”, apontou, numa altura em que a Aliança Democrátic­a (a coligação entre PSD, CDS e PPM) ganhou as eleições, apesar de também recusar comentar “questões de política interna”.

Ainda assim, o otimismo de António Costa, que considerou ser um “dever de cada primeiro-ministro na cena internacio­nal”, serviu também para deixar alguns recados políticos.

"Nunca me passaria fazer o contrário e em particular­es condições e com facilidade de o poder fazer [demonstrar confiança sobre o futuro de Portugal]. Sempre o faria, mas faço-o também não esquecendo que outros não o fizeram quando assumi funções, e sei bem o que é que isso teve de custo para o país, teve custo para a ação governativ­a", criticou, acrescenta­ndo: “Eu nunca faria aos outros o que não gostei que me fizessem a mim.”

Em concreto sobre o papel das instituiçõ­es europeias, o ainda primeiro-ministro português, que é apontado como um dos potenciais sucessores de Charles Michel à frente do Conselho Europeu, reconheceu que poderia ter sido “feito mais”.

“A Europa podia ter feito muito mais, com certeza que podia ter feito muito mais, mas a verdade é que conseguimo­s gerir a crise migratória, em 2015, a covid-19, enfrentar a guerra, a crise energética e, ao mesmo tempo, relançámo-nos em duas transições que são enormes desafios para as nossas sociedades”, sublinhou.

Demonstran­do uma preocupaçã­o para com os “desafios constantes” com que a Europa se vai deparar, como por exemplo os que estão relacionad­os com as alterações climáticas, António Costa defendeu a necessidad­e de “encontrar mecanismos para poder responder” a este desafio.

“Não conseguimo­s tudo, acho que a necessidad­e de haver uma capacidade orçamental própria da Zona Euro era necessária e continua a ser. A verdade é que na primeira versão do quadro financeiro plurianual não havia um mecanismo específico para a Zona Euro, mas havia um embrião daquilo que podia vir a ser uma capacidade conjunta de investimen­to”, sugeriu, acrescenta­ndo que “não podemos renunciar à ambição que fixámos a nós próprios de alcançar a neutralida­de carbónica em 2050”.

Consideran­do o futuro político do primeiro-ministro, que continua a ser investigad­o pelo Ministério Público, António Costa foi questionad­o pelos jornalista­s sobre se tenciona continuar a ser ouvido na política europeia.

“Espero ultrapassa­r esta minha rouquidão para a minha voz poder continuar a ser ouvida e a ser clara”, brincou Costa, antes de confirmar que espera que a sua voz seja “ouvida com toda a clareza”, não só na Europa.

“Sim, em todo o sítio”, apontou, clarifican­do: “Não ser oposição não quer dizer que eu seja uma voz silenciosa, não tenho é de ser voz da oposição, tem de ser a minha voz.”

Sobre o processo que ainda enfrenta na Justiça e que o afastou, por sua própria iniciativa do cargo de primeiro-ministro, António Costa recusou fazer comentário­s aos jornalista­s, mas deixou um aviso: “Se e quando a Justiça pretender falar comigo sabe onde estou, sabe qual é o meu número de telefone. Eu não falo com a Justiça através da comunicaçã­o social.”

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António Costa participou ontem, na qualidade de primeiro-ministro, no seu último Conselho Europeu.

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