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não é uma atitude totalmente racional, porque o que interessa é termos todos a mesma postura e o mesmo espírito solidário para garantir a segurança no espaço euro-atlântico. Aliás, os Estados Unidos têm comandos NATO nos Estados Unidos, têm um comando em Norfolk e têm o comando da transformação nos Estados Unidos, poderia dizer que é muito remota a possibilidade de sair. Aliás, se os Estados Unidos saíssem da NATO, diria que a NATO também não teria um futuro muito risonho.
Um dos compromissos com a NATO assumido pelos Estados-membros, e já vem do tempo do presidente Barack Obama, é os 2% do PIB em gastos de Defesa. Uma pressão que tem sido aumentada para os Estados cumprirem, sobretudo depois da guerra na Ucrânia. Portugal tem esse compromisso, mas vai assumindo lentamente. É muito importante, do ponto de vista das Forças Armadas, se a economia e o país tiverem condições para que esses 2% cheguem rapidamente? Aliás, o ex-ministro Nuno Severiano Teixeira já disse que tem de ser quase já. Qual a sua opinião?
Não posso ser mais concordante com essa opinião. Para já, é um compromisso. É o compromisso de Vílnius, do ano passado, que já não é atingir 2%, é ter o mínimo de 2%. E, portanto, só posso concordar que esse caminho tem de ser feito, com maior ou menor velocidade, mas tem de ser feito. Sob pena de perdermos o balanço perante os nossos parceiros, não pode haver países que já têm quase 4% e países que andam nos 1%, nos 1,5%, etc. Tem de haver uniformidade. E o compromisso de Vílnius aponta para 2%, mínimo. O compromisso de Gales era 2% em 10 anos, no ano passado, mínimo, 2%. O caminho tem de ser definido, obviamente, em termos políticos e financeiros.
No caso português, está perto de 1,5%. Este 0,5% extras, num quadro previsível de um PIB estável, era uma verba que poderia claramente modernizar as Forças Armadas? Sem dúvida, porque 0,5% do PIB é um montante muito significativo. E ajudava bastante a equiparmos as nossas Forças Armadas com algum equipamento que, embora previsto na Lei de Programação Militar a 12 anos, não está totalmente contemplado. E é uma lei a 12 anos. E, portanto, quanto mais depressa viesse esse investimento, melhor.
Pode dar um exemplo de um desses equipamentos que podia ser importante?
Equipamentos da ordem das centenas de milhões de euros. Isto nem sequer está na Lei de Programação Militar, mas substituir a frota de F-16 é algo que importa vários milhares de milhões de euros.
E é uma necessidade mesmo para modernizar a Força Aérea?
É quase uma inevitabilidade. Aliás, a Ucrânia está a pedir F-16 e há países a ceder. E essa cedência é, diria, por substituição. Os países que estão a ceder F-16 é porque já têm programas para o avião subsequente, que é o F-35. Poderia argumentar, bom, mas porquê o F-35? Porque nas Forças Aéreas, como sabemos, há famílias de caças e nós pertencemos à família F-16, juntamente com a Dinamarca, com a Noruega e com a Bélgica. Eles estão a convergir para-a família F-35 e nós estamos na família F-16. Não poderemos ficar eternamente, sob pena de ficarmos sozinhos e com estes caças a perderem a atualidade. Por outro lado, em termos de eficácia operacional combinada, tudo isto funciona em rede. Um F-16 não funciona como um F-35. Portanto, se os países do nosso quadrante da NATO estão a enveredar pela aeronave F-35, diria que é quase inevitável que tenhamos igual opção. Poderia argumentar uma coisa parecida. Às vezes o parecido não é o mesmo, pode não ter a mesma capacidade, pode não ter a mesma interoperabilidade, e isso pode frustrar aquilo que se pretende, que é atuarmos todos em conjunto.
Falamos também muitas vezes sobre o espaço marítimo português, inclusive daquele esforço para aumentarmos a nossa Zona Económica Exclusiva. É também importante para Portugal reforçar a capacidade de controlo deste espaço marítimo? Sim, obviamente. Mas que não o seja apenas à custa de navios de superfície, que seja através de outros meios, meios de vigilância, meios eletrónicos, satélite. O que interessa é, no caso de detetarmos alguma ação que seja eventualmente danosa para o país, termos capacidade de reação, mas com esta expansão da nossa extensão, e da responsabilidade, não queiramos estar em todo lado ao mesmo tempo, porque não podemos. Podemos é vigiar, ter a noção do que está a ocorrer e intervir o mais rapidamente possível.
Fala-se muito da questão das vocações para a carreira militar e que os jovens não se sentem atraídos para essa carreira. Não há soluções mágicas, mas qual é a possibilidade de tentar cativar mais pessoas para uma vida no Exército, na Força Aérea e na Marinha?
Ainda há pouco, no almoço com os nossos generais, tivemos uma conversa muito interessante com um dos meus colaboradores, que foi comandante do Pessoal do Exército, que agora é o comandante do Instituto Universitário Militar, e disse-me que já fizemos quase tudo, nós, Forças Armadas. Políticas de recrutamento, contactos com os jovens, ida às feiras, às escolas, etc. As Forças Armadas não regateiam esforços para tentar cativar jovens. Mas não é tudo. Não depende só de nós cativarmos os jovens e há outros fatores de intervenção. Um deles é a remuneração e outro é a quantidade de efetivos. Portanto, quanto mais efetivos tivermos, melhor para a prestação. Porque, de facto, até ao momento as nossas missões não são afetadas, mas não serão porque será sempre essa a nossa prioridade. Inclusive, dentro do nosso funcionamento, já fizemos opções no sentido de libertar de tarefas não operacionais militares que estavam nessas tarefas, para que sejam operacionais, e entrámos em externalização, contratualização, etc. Mas as medidas para cativar jovens são múltiplas. Não envolvem apenas as Forças Armadas, não dizem respeito apenas a remuneração. Devemos procurar fatores de motivação para que todos sejamos minimamente otimistas. O presidente Volodymyr Zelensky, citado por Jens Stoltenberg, disse que os pessimistas não ganham guerras. E é verdade. Devemos ser minimamente otimistas para irmos vencendo as batalhas que vamos tendo todos os dias.
Na Europa, há um debate sobre o possível regresso do serviço militar obrigatório. Em Portugal não é uma ideia popular e nenhum partido está empenhado claramente nisso. Ou seja, não há condições políticas para esse debate?
Diria que essa é uma abordagem talvez um pouco redutora. Procurar que, através do serviço militar obrigatório, tenhamos mais militares é redutor. Devemos, no fundo, criar um espírito de defesa nos nossos jovens. Será que o Dia da Defesa Nacional é suficiente? Porventura não, mas daí a dizer que o serviço militar obrigatório é necessário para termos mais militares nas fileiras não é uma solução consolidada. Devemos é captar jovens que queiram servir com espírito de missão e com alguma remuneração pessoal, e não apenas financeira, pelo facto de serem servidores da pátria nas Forças Armadas.
Sei que tem duas filhas, que não seguiram a carreira militar. Como vê o papel das mulheres nas Forças Armadas? Também ajudariam a resolver ou, pelo menos, a minorar a questão das vocações? Como sabe, as Forças Armadas são voluntárias. E na nossa distribuição da sociedade as mulheres são um pouco mais de metade, são cerca de 52%. Poderíamos dizer, bom, proporcionalmente, poderia haver quase até mais mulheres do que homens, mas a história diz-nos que não é assim. Por variados fatores, não vamos aqui fazer nenhuma destrinça de género masculino, feminino. Gostaríamos de ter mais mulheres nas Forças Armadas, é um desígnio da NATO também, é um desígnio das Nações Unidas, é um desígnio nacional do Ministério da Defesa Nacional, mas depende da forma como sejamos capazes de atrair mulheres para as Forças Armadas.
Esta entrevista é sobre os 75 anos da NATO. Mas também estamos prestes a celebrar os 50 anos do 25 de Abril. Recorda-se onde estava no dia da Revolução? Recordo-me bem. Era aluno em Lisboa dos Pupilos do Exército e tinha 13 anos. Estava no terceiro ano, por assim dizer, do liceu. E foi um dia estranho. Ouvíamos qualquer coisa, mas, como era um internato, tivemos as nossas aulas e ouvíamos um burburinho.
Não teve um dia livre de aulas, como a maior parte das crianças e jovens naquele dia…
Não. Aquilo era um internato. Tivemos aulas. Havia qualquer coisa a passar-se lá fora, isso sabíamos. Nos tempos subsequentes é que houve interrupções, mas naquele dia continuou tudo normal nas aulas. Confesso que aquele modelo de internato até nos defendia um bocadinho. Não nos apercebíamos muito se havia repressão, etc., porque estávamos num ambiente em que tínhamos de estudar, de cumprir regras, tínhamos de chegar a horas, de nos levantar à alvorada, etc. Depois, no ano de 1975, houve um pouco de desvario, como em todo o país. Portugal é um daqueles países onde os militares têm uma imagem mais positiva, muito por serem associados ao trazer a democracia. Isso ajuda ao prestígio das Forças Armadas em Portugal? Sim. Estamos a comemorar os 50 anos do 25 de Abril e congratulamos todos os que participaram naquele movimento. Foi um movimento importante para o país. E saber que foram as Forças Armadas que contribuíram para a democracia em Portugal só nos prestigia e só nos orgulha. E sabemos que estamos disponíveis para o melhor para os portugueses. Isso é o mais importante. E ser o melhor para os portugueses, não entrando em esferas de altercações, etc., mas contribuindo para a defesa nacional. Naquela altura foi um movimento extremo. Havia 13 anos de guerra, havia determinadas medidas político-militares que afetavam sobretudo a camada militar. E, portanto, já havia um descontentamento muito grande e os militares intervieram. Nomeadamente os jovens capitães, depois com supervisão de elementos mais graduados, oficiais-generais, o general Spínola e o general Costa Gomes, que assumiram a liderança desse processo.
“Procurar que, através do serviço militar obrigatório, tenhamos mais militares é redutor. Devemos, no fundo, criar um espírito de defesa nos nossos jovens. Será que o Dia da Defesa Nacional é suficiente?”