Aterrar na realidade: proletário, achega-te
Se a economia mundial continuar a acentuar a disparidade entre o crescimento de salários versus os lucros, ou entre a carga fiscal do trabalho e o valor ínfimo de tributação nos mercados de capitais, não caminharemos para outra coisa que não uma revolução. A desigualdade é a maior doença social do nosso tempo. Os partidos de protesto vão crescer cada vez mais. E crescem à direita porque as pessoas confiam menos num Estado ‘socialista’ que impõe muitos impostos, mas em simultâneo permite que boa parte da riqueza criada seja sistematicamente aspirada para longe do mercado de trabalho e da economia real.
Corrigir desigualdades é um trabalho infinito. Acabamos de ver isso, por cá, durante o delírio hipnótico das promessas eleitorais. Mas fecham as urnas e voltamos onde estávamos: em Mário Centeno. Ou seja: um país endividado, pós-troika, tem de pensar mil vezes antes de escalar a despesa pública de forma irreversível. Em paralelo, o mesmo país que reclama pelo facto de um terço dos seus jovens ter emigrado na última década, mantém a taxa de desemprego à entrada no mercado de trabalho em 23%.
Um pequeno exemplo para salientar a diferença entre o marketing político e a realidade: os alunos concluem as suas habilitações, em regra, nos meses de junho e julho. É nesse momento crítico que tentam encontrar empresas para um primeiro estágio profissional, apoiado pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP). Pois, quando é que o IEFP, em regra, fecha as candidaturas? Em junho. E quando as abre? Nunca se sabe – pode ser outubro, novembro...
Em regra, os candidatos acabam por esperar de julho a novembro/dezembro para iniciar um estágio. Mas se o dinheiro do IEFP acabar, as admissões fecham antes do prazo. E podem ter de ficar de novo à espera por aprovações em fevereiro ou março do ano seguinte, quando voltam a reabrir. Significa que um recém-licenciado pode aguardar nove meses para ter o 1.º dia de estágio. Claro, muitas vezes não espera – e entra no trabalho precário, ou vai para um hipermercado, ou sai de Portugal.
Este problema do desemprego jovem é bem o exemplo da falta de atenção de quem, no centro do governo, insiste numa aventura de 10 mil milhões para um faraónico aeroporto, mas não consegue manter um sistema de apoio aos jovens a funcionar sem intermitências nem limitações rocambolescas de orçamento. Acham estranho que as novas gerações votem na direita com este tipo de Estado?
O outro fator é o custo de uma casa. A política europeia das últimas décadas cometeu o erro crasso de não ter equacionado o uso de fundos comunitários na construção de mais habitação – desde residências universitárias a casas sociais ou arrendamento acessível –, tal como permitiu agora o PRR. Sem casas não há novas famílias. Os jovens portugueses estão no topo europeu da saída tardia de casa dos pais – aos 34 anos.
O resultado está à vista por todo o lado: a Europa não tem natalidade suficiente e depende dos imigrantes para manter o Estado social. Em paralelo, Portugal empurrou uma nova geração pela porta fora, forçando-a à emigração, exatamente porque não amparou melhor essa chegada ao mercado de trabalho. Em simultâneo, também não garantiu um teto para uma vida autónoma e digna, sem pobreza energética ou à base de alimentação de baixo custo.
Em resumo, o problema é este: 18% de votos de protesto ainda não é muito. Mas temos de ouvir as pessoas em vez de acreditarmos em ideias faraónicas de um Portugal que não existe. Ou não acreditamos no que aí vem?