De manhã, Dulce rondava a agência bancária, passava horas nas imediações. Depois de almoço, quase à hora do fecho, entrava no banco vestida de negro, de óculos escuros e peruca, escolhia funcionárias do sexo feminino, apontava-lhes a pistola falsa, recebi
com ironia, que um dia ouviu na TV o perfil que a PJ tinha feito de si: uma toxicodependente com dívidas de jogo, que assaltava bancos ao final da semana para satisfazer os seus vícios. Perante tão desastrado retrato, entendeu, talvez com razão, que poderia continuar a assaltar bancos sem riscos nem sobressaltos.
O caso da “Viúva Negra” pode servir de exemplo de escola da teoria criminológica da “acção situacional”, que salienta a importância dos contextos na decisão criminosa e, a par de outras doutrinas, refere um dado nem sempre falado, o de que, numa parcela significativa de crimes, mesmo os de roubo ou assalto a bancos, há escassa preparação e quase nenhum planeamento. Mais do que isso, os criminosos raramente têm um “plano B”, pois nem lhes passa pela cabeça serem apanhados. A história de Dulce Caroço é também muito ilustrativa das chamadas “técnicas de neutralização da culpa”, a que os criminosos frequentemente recorrem para iludir a consciência do mal praticado. Dulce Caroço, sintomaticamente, não se mostra arrependida dos crimes que praticou e diz mesmo que voltaria a cometê-los se acaso tivesse um filho ou um ente querido a morrer à fome – como se fosse essa a situação de penúria e desgraça em que se encontrava quando fez o primeiro roubo. Refere, de igual sorte, que a sua carreira no crime se iniciou ao mesmo tempo em que era divulgado o escândalo do Banco Espírito Santo, como se este justificasse o seu gesto, e continua a figurar-se como uma injustiçada “pelo sistema”. É por isso que, confessa, adora os filmes da saga Ocean’s Eleven e a série La Casa de Papel, pois “todos os não heróis, que vão contra o sistema, eu amo”.
A condenação dos condenadores é uma das estratégias clássicas de neutralização da culpa, descrita já em 1957 num célebre artigo de Gersham Sykes e David Matza (“Techniques of Neutralization: A Theory of Deliquency”, American Sociological Review, vol. 22, n.º 6, Dezembro de 1957, pp. 664-670). Encontramo-la na perfeição nas seguintes palavras de Dulce: “posso-lhe dizer que tenho uma dívida às finanças que dura há 30 e tal anos. E que nunca vai ter resolução na vida. Porque não há hipótese. A não ser que me saia o Euromilhões. Porque aquilo é uma bola. Mesmo que a pessoa vá pagando, aquilo continua a crescer. Então achei que o melhor era deixar de pagar e tentar arranjar esquemas de forma a que eles não me possam ir buscar dinheiro, porque se não vou estar a vida inteira a pagar uma coisa… Se fosse a