49% dos portugueses veem desobediência civil como protesto ilegítimo
Investigação conduzida pela Amnistia Internacional analisa a relação da sociedade com o direito à manifestação. Ação ocorre no âmbito da campanha global “Protege a Liberdade”.
Quase metade dos portugueses acreditam que protestos que envolvam desobediência civil são ilegítimos. Esta é uma das conclusões do inquérito “A liberdade como bandeira”, promovido pela Amnistia Internacional - Portugal, divulgado esta segunda-feira. Da mesma amostra, 59% consideram-se favoráveis à criminalização da prática, enquanto 33% são contra. As respostas possuem uma marcação por idade: 43% dos que entendem a desobediência civil como legítima são jovens com idade entre 18 e 25 anos. Ao mesmo tempo, a defesa da criminalização é maior entre as pessoas mais instruídas e com idade entre os 25 e os 54 anos.
Os dados fazem parte da campanha global “Protege a Liberdade”, com objetivo de “reforçar a defesa do direito de manifestação”. No caso específico dos protestos climáticos, 51% avaliam que os ativistas que recorrem a atos como corte de estradas ou ocupação de edifícios “devem ser tratados pela lei de uma maneira mais severa”. Apenas 5% dos inquiridos discordam totalmente de os manifestantes serem punidos por uma legislação mais dura.
A investigação teve 1001 inquiridos residentes maiores de 16 anos em Portugal, com sondagem conduzida pela Universidade Católica Portuguesa. Também foram recolhidos depoimentos de ativistas, investigadores e especialistas de várias áreas, com o objetivo de dar um panorama amplo sobre as diversas questões relacionadas com o direito à manifestação. Os relatos estão no relatório, ao qual o DN teve acesso. “[Existe] uma fraca cultura de direitos fundamentais, nomeadamente entre os nossos magistrados”, em que “a interpretação da lei varia consoante o tipo de protesto e consoante o tipo de manifestantes”, avalia a constitucionalista Teresa Violante.
O exemplo dado pela jurista é o do corte da Ponte Vasco da Gama no início de fevereiro deste ano. “Houve decididamente uma maior tolerância para os agricultores do que para os ativistas pelo clima. Ainda que os cortes de estradas dos primeiros tivessem sido muito mais danosos do que os dos outros”, argumenta.
Sobre a perceção da sociedade, o professor Tiago Carvalho ressalva: “não é que as pessoas achem que a luta destes ativistas não é justa, discordam é dos meios”. Mónica Soares, investigadora e mestre em psicologia da justiça no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, destaca que as ações dos protestos climáticos “surgem como desconectada da vida quotidiana e têm um discurso que não se relaciona com a comunidade em geral, não tem raízes sociais, e com isso não abona a favor da mobilização”. A investigadora considera que “o discurso catastrófico” usado pelos grupos “não é estratégico pela forma como acaba por ser traduzido, socialmente, nesta visão de ilegitimidade pública”.
Entre outubro do ano passado e janeiro de 2024, ativistas pelo clima realizaram cerca de 30 atos em Portugal. Entre eles, cortaram estradas em hora de ponta, bloquearam aviões e jatos privados, partiram montras de lojas de luxo, protestaram em frente de multinacionais e pintaram fachadas de edifícios ligados a grandes empresas. Mais recentemente, mancharam com tinta o líder do PSD e candidato a primeiro-ministro pela Aliança Democrática, Luis Montenegro, e atiraram tinta vermelha na fachada do hotel onde a AD realizava a noite eleitoral a 10 de março. Uma das integrantes da Climaximo ouvida pela investigação, diz que estes atos “são os únicos que fazem sentido face ao que estamos a viver. É o que qualquer pessoa, assim que sai do trabalho, deve ir fazer”. B, como foi denominada, diz que reflete sobre o seu ativismo. “Numa das ações mais recentes pensei no que estava a fazer à minha vida. Mas depois encontro sempre motivação e enraízo-me nisso”, conta.
De uma maneira geral, 66% das pessoas inquiridas veem como positiva a realização de manifestações públicas e 50% avalia que são importantes contributos para o debate de ideias políticas numa sociedade democrática. O inquérito foi realizado entre 9 e 29 de novembro de 2023.
51% avaliam que os ativistas que recorrem a atos como corte de estradas ou ocupação de edifícios “devem ser tratados pela lei de uma maneira mais severa”.