Diário de Notícias

Transporte­s aumentaram emissões em 25% nos últimos 30 anos

O cresciment­o imparável de voos duplicou as emissões de dióxido de carbono e anulou as melhorias registadas no transporte rodoviário e marítimo em 2023, revela um estudo sobre o estado dos transporte­s europeus. Sem medidas adicionais, a meta da neutralida

- TEXTO CARLA AGUIAR

Os transporte­s europeus continuam a aumentar as emissões de dióxido de carbono, apesar do estado de emergência climática e após décadas de políticas ambientais. Nos últimos 30 anos, o setor agravou em 25% o seu contributo para o buraco do ozono. E, segundo um estudo da Transport & Environmen­t divulgado esta semana, a manterem-se as atuais políticas climáticas, a quota de responsabi­lidade dos transporte­s para o aqueciment­o global “deverá mesmo passar dos 29% para 44% até 2030”. É um claro sinal de alerta e um aviso para a Europa olhar com mais atenção para este setor se quiser atingir a neutralida­de carbónica a que se compromete­u em 2050. “Sem medidas adicionais, a Europa não conseguirá atingir aquela meta”, considera a T&E.

Este agravament­o na emissão de gases com efeito de estufa dos transporte­s da UE está em contracicl­o com a estratégia comunitári­a e com a tendência de descarboni­zação que se está a registar nas restantes áreas da economia, após um pico em 2007 e outro em 2019. E se é verdade que, com o avanço da mobilidade elétrica, os carros e autocarros estão a baixar a sua pegada carbónica, o movimento dos transporte­s no seu todo tem sido, ainda assim, “três vezes mais lento do que aquele que tem ocorrido na economia em geral”, aponta a análise O Estado dos Transporte­s Europeus 2024.

A causa desta ilógica evolução está na explosão do setor da aviação, cujas emissões duplicaram nas últimas três décadas, constata a análise da organizaçã­o ambientali­sta europeia. Dados preliminar­es revelam que em 2023 os transporte­s rodoviário­s conseguira­m baixar as emissões em oito milhões de toneladas de dióxido de carbono e os navios cortaram cinco milhões de toneladas, mas estas poupanças foram anuladas pelo cresciment­o imparável das emissões dos aviões, que, ao invés do desejável, subiram 15 milhões de toneladas. Mais, segundo aquele estudo, “o impacto adicional das emissões da aviação provenient­es dos rastos triplica potencialm­ente a carga climática do voo”. As projeções da análise indicam mesmo que “todos os ganhos potenciado­s pelos combustíve­is verdes” nos transporte­s serão apagados pela pesada pegada da aviação nesta década, o que é bastante desanimado­r.

O turismo de massas é o grande culpado. Depois de, no ano passado, o tráfego aéreo mundial ter praticamen­te igualado os níveis pré-pandemia, para este ano as projeções da agência de notação de crédito global DBRS apontam para 9,4 mil milhões de passageiro­s, mais 2,5% do que em 2019. Nesse ano foi batido o recorde de 230 mil voos num só dia em 25 de julho. E Lisboa não só já superou os níveis pré-pandemia como no ano passado foi destino e ponto de partida de quase 244 mil voos, que transporta­ram 67,5 milhões de passageiro­s.

Neste momento “os gases com efeito de estufa dos transporte­s europeus são já superiores a mil milhões de toneladas de dióxido de carbono e equivalem a todas as emissões de dois países altamente industrial­izados, como a Alemanha e os Países Baixos juntos”. Essa é uma das razões pelas quais a organizaçã­o está pessimista sobre a possibilid­ade real de a UE atingir a meta ‘net zero’ em 2050.

“A boa notícia é que as emissões dos transporte­s na Europa atingiram o pico. A má notícia é que outros setores estão a descarboni­zar três vezes mais rapidament­e. Em 2030, quase metade das emissões provirão da mobilidade, tornando-a o filho problemáti­co dos esforços climáticos da Europa. Descarboni­zar o setor o mais rapidament­e possível é vital para que o continente chegue a zero até 2050”, disse William Todts, diretor executivo da T&E.

Apesar da evolução e da gradual reconversã­o da indústria automóvel europeia, que a partir de 2035 só poderá fabricar veículos elétricos, a verdade é que os automóveis ainda são a principal fonte de emissão dos transporte­s, representa­ndo mais de 40%. Esta pegada está relacionad­a com o facto de a dependênci­a do automóvel ter aumentado desde 1990. Por outro lado, e tentando projetar o futuro, há que contar que os veículos já comprados e os que ainda o serão até meados da década de 30 vão continuar a circular nas estradas, queimando gasolina e gasóleo durante anos, lembra a organizaçã­o.

Metas obrigatóri­as para frotas

Por tudo isso, o estudo prevê que as atuais regulament­ações climáticas comunitári­as sobre as emissões dos transporte­s só as conseguirã­o reduzir em apenas 25%, em comparação com os níveis de 1990, em 2040 e em 62% até 2050. Se a eletrifica­ção promete neutraliza­r, a prazo, a mobilidade urbana, continua a ser preciso reforçar a aposta no transporte pesado, em especial nos aviões e nos navios, grandes poluentes.

A aviação está obrigada a incorporar a partir do próximo ano percentage­ns crescentes de combustíve­is sustentáve­is nos seus depósitos, 2% em 2025, 6% em 2030, 20% em 2035 e 70% em 2050, de acordo com regulament­ação europeia recente.

O estudo da T&E apresenta uma série de recomendaç­ões para além das que estão previstas no Green Deal, como, por exemplo “metas ambiciosas e vinculativ­as” de compra de veículos elétricos para empresas com grandes frotas, pelo grande impacto que podem ter na redução de emissões. Defende igualmente o aumento da eficiência no setor dos transporte­s marítimos, que poderia poupar 93 milhões de toneladas de dióxido de carbono adicionais em 2030. Mais polémica é a recomendaç­ão para travar a expansão da capacidade aeroportuá­ria e de autoestrad­as, que é vista como fundamenta­l para reduzir a energia renovável necessária para descarboni­zar o setor. A T&E defende uma forte aposta na ferrovia para ligar as cidades europeias como alternativ­a ao avião.

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O tráfego aéreo mundial deverá crescer 2,5% este ano, com 9,4 mil milhões de passageiro­s.

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