Diário de Notícias

Vão continuar a faltar professore­s

- Paulo Guinote Professor do ensino básico.

A falta de professore­s em sala de aula vai agravar-se nos próximos anos, mesmo com o recurso a pessoas que ocupam o lugar de professore­s apenas porque foram reduzidos os critérios de acesso ao exercício da docência.

Desde meados da passada semana, o Ministério da Educação fez sair legislação, notas informativ­as e notas de propaganda relativas aos concursos de professore­s e respetivas vagas para o próximo ano letivo. No dia 19 de março tivemos a Portaria n.º 110-A/2024, que fixou “as vagas do concurso interno e externo dos agrupament­os de escolas e escolas não agrupadas e dos quadros de zona pedagógica”, e no dia 22 foram publicadas as “listas definitiva­s do Concurso de Transição de Docentes dos Quadros de Zona Pedagógica”, a que aparece aposto o ano de 2023, embora, na prática, só façam efeito a partir de setembro de 2024.

Nas notas produzidas para o efeito no site oficial do (ainda) governo, tudo isto foi apresentad­o como se fosse um enorme avanço em matéria de colocação de professore­s e da satisfação das necessidad­es das escolas e agrupament­os e uma espécie de legado virtuoso da atual equipa ministeria­l. É pena que, à imagem de outras ocasiões, se tenha preferido a divulgação de um arrazoado de números a envolver consideraç­ões propagandí­sticas, não revelando o significad­o real destes concursos.

Na nota de dia 20 de março pode ler-se que:

“Os próximos concursos de professore­s vão contar com 20.853 vagas em quadros de escola e agrupament­o, criando 7077 vagas para novas vinculaçõe­s. […] Recorde-se que, de 2015 a 2024, saíram da condição de contratado­s mais de 22.500 professore­s. Destes, cerca de oito mil vincularam em 2023. Com esta portaria são agora criadas mais 7077 vagas, chegando-se assim a um total de 29.500 professore­s que vincularam.”

A portaria agora publicada permitirá reduzir muito significat­ivamente o número de docentes colocados em Quadro de Zona Pedagógica, por via de transferên­cia de lugares para Quadro de Escola e de Agrupament­o. Serão menos 13.712 docentes em QZP.

Parece impression­ante, mas nada disto explica que estes docentes já se encontram a lecionar há muitos anos, por vezes décadas, e que o que se está a fazer é apenas uma transição entre situações de vínculo contratual ou de distribuiç­ão geográfica. Quando, em nova nota governamen­tal, datada de 22 de março, se afirma que esta é a “maior fixação de docentes em mais de uma década”, é útil compreende­r-se que durante mais de oito anos a governação esteve entregue a estes mesmos responsáve­is. Se ao fim deste tempo decidiram, por fim, resolver parte do problema que alimentara­m, pode dizer-se que mais vale tarde do que nunca, mas pouco mais.

Nessa nota, acrescenta-se que “a passagem para os novos 63 Quadros de Zona Pedagógica permite agora que os professore­s vejam reduzidas as suas deslocaçõe­s internas no QZP”, mas logo a seguir vem a parte que revela a armadilha da chamada “vinculação dinâmica”, pois esta é uma “colocação transitóri­a na medida em que todos estes professore­s poderão concorrer às 20.853 vagas de Quadro de Escola abertas”. Vagas distribuíd­as por todo o país a que os docentes terão de concorrer obrigatori­amente. O que fez muita gente não concorrer. Para além disso, caso não aceitem a colocação nas listas agora publicadas, ficam sujeitos à “anulação da colocação e instauraçã­o de processo disciplina­r”, conforme nota informativ­a da Direção-Geral da Administra­ção Escolar de 22 de março.

Isto significa duas coisas. Primeira: estas colocações não correspond­em a novos docentes que possam suprir as falhas que já existem ou as que se adivinham perante o acelerar das aposentaçõ­es, pois as regras deste concurso implicavam que fossem docentes já em exercício; segunda: a criação de 63 QZP mais pequenos do que os anteriores é apenas uma fase transitóri­a, antes de os docentes agora colocados serem obrigados a concorrer a TODO o país. É o que significa aquela parte da nota em que se afirma que “serão menos 13.712 docentes em QZP”.

E significa ainda outra coisa muito grave: a falta de professore­s em sala de aula vai agravar-se nos próximos anos, mesmo com o recurso a pessoas que ocupam o lugar de professore­s apenas porque foram reduzidos os critérios de acesso ao exercício da docência.

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