Vão continuar a faltar professores
A falta de professores em sala de aula vai agravar-se nos próximos anos, mesmo com o recurso a pessoas que ocupam o lugar de professores apenas porque foram reduzidos os critérios de acesso ao exercício da docência.
Desde meados da passada semana, o Ministério da Educação fez sair legislação, notas informativas e notas de propaganda relativas aos concursos de professores e respetivas vagas para o próximo ano letivo. No dia 19 de março tivemos a Portaria n.º 110-A/2024, que fixou “as vagas do concurso interno e externo dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas e dos quadros de zona pedagógica”, e no dia 22 foram publicadas as “listas definitivas do Concurso de Transição de Docentes dos Quadros de Zona Pedagógica”, a que aparece aposto o ano de 2023, embora, na prática, só façam efeito a partir de setembro de 2024.
Nas notas produzidas para o efeito no site oficial do (ainda) governo, tudo isto foi apresentado como se fosse um enorme avanço em matéria de colocação de professores e da satisfação das necessidades das escolas e agrupamentos e uma espécie de legado virtuoso da atual equipa ministerial. É pena que, à imagem de outras ocasiões, se tenha preferido a divulgação de um arrazoado de números a envolver considerações propagandísticas, não revelando o significado real destes concursos.
Na nota de dia 20 de março pode ler-se que:
“Os próximos concursos de professores vão contar com 20.853 vagas em quadros de escola e agrupamento, criando 7077 vagas para novas vinculações. […] Recorde-se que, de 2015 a 2024, saíram da condição de contratados mais de 22.500 professores. Destes, cerca de oito mil vincularam em 2023. Com esta portaria são agora criadas mais 7077 vagas, chegando-se assim a um total de 29.500 professores que vincularam.”
A portaria agora publicada permitirá reduzir muito significativamente o número de docentes colocados em Quadro de Zona Pedagógica, por via de transferência de lugares para Quadro de Escola e de Agrupamento. Serão menos 13.712 docentes em QZP.
Parece impressionante, mas nada disto explica que estes docentes já se encontram a lecionar há muitos anos, por vezes décadas, e que o que se está a fazer é apenas uma transição entre situações de vínculo contratual ou de distribuição geográfica. Quando, em nova nota governamental, datada de 22 de março, se afirma que esta é a “maior fixação de docentes em mais de uma década”, é útil compreender-se que durante mais de oito anos a governação esteve entregue a estes mesmos responsáveis. Se ao fim deste tempo decidiram, por fim, resolver parte do problema que alimentaram, pode dizer-se que mais vale tarde do que nunca, mas pouco mais.
Nessa nota, acrescenta-se que “a passagem para os novos 63 Quadros de Zona Pedagógica permite agora que os professores vejam reduzidas as suas deslocações internas no QZP”, mas logo a seguir vem a parte que revela a armadilha da chamada “vinculação dinâmica”, pois esta é uma “colocação transitória na medida em que todos estes professores poderão concorrer às 20.853 vagas de Quadro de Escola abertas”. Vagas distribuídas por todo o país a que os docentes terão de concorrer obrigatoriamente. O que fez muita gente não concorrer. Para além disso, caso não aceitem a colocação nas listas agora publicadas, ficam sujeitos à “anulação da colocação e instauração de processo disciplinar”, conforme nota informativa da Direção-Geral da Administração Escolar de 22 de março.
Isto significa duas coisas. Primeira: estas colocações não correspondem a novos docentes que possam suprir as falhas que já existem ou as que se adivinham perante o acelerar das aposentações, pois as regras deste concurso implicavam que fossem docentes já em exercício; segunda: a criação de 63 QZP mais pequenos do que os anteriores é apenas uma fase transitória, antes de os docentes agora colocados serem obrigados a concorrer a TODO o país. É o que significa aquela parte da nota em que se afirma que “serão menos 13.712 docentes em QZP”.
E significa ainda outra coisa muito grave: a falta de professores em sala de aula vai agravar-se nos próximos anos, mesmo com o recurso a pessoas que ocupam o lugar de professores apenas porque foram reduzidos os critérios de acesso ao exercício da docência.