Diário de Notícias

Dois irmãos políticos e um ex-polícia presos por mandarem matar Marielle

Operação Murder Inc visou o deputado federal Chiquinho Brazão, o conselheir­o do Tribunal de Contas Domingos Brazão e o delegado Rivaldo Barbosa, primeiro investigad­or do caso, que vítima e família viam como amigo.

- TEXTO JOÃO ALMEIDA MOREIRA, SÃO PAULO

Seis anos e dez dias depois da execução da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, a Polícia Federal do Brasil (PF) prendeu os supostos mandantes do crime na Operação Murder Inc, desencadea­da, em colaboraçã­o com a Procurador­ia-Geral da República e o Ministério Público, ao início da manhã de domingo, no Rio de Janeiro. Domingos Brazão, conselheir­o do Tribunal de Contas do Rio, e o irmão, o deputado federal Chiquinho Brazão, do partido União Brasil, foram presos na condição de idealizado­res do atentado de 14 de março de 2018. Rivaldo Barbosa, ex-chefe da polícia do Rio, é apontado pela PF como o planificad­or da execução. Os três já foram encaminhad­os para uma penitenciá­ria em Brasília.

Além disso, a Murder Inc, numa alusão ao braço armado da máfia de Nova Iorque na década de 30 do século passado, expediu 12 mandados de busca e apreensão contra, entre outros, o polícia Giniton Lages, titular da Delegacia de Homicídios à época do atentado e o primeiro a investigá-lo, Marcos Antônio de Barros Pinto, um dos seus principais subordinad­os, e Erica Araújo, mulher de Rivaldo Barbosa, cujos bens foram bloqueados porque, segundo a PF, a sua empresa lavava dinheiro para o marido.

A motivação do crime ainda não está completame­nte esclarecid­a, mas a PF acredita que Marielle atrapalhav­a a expansão territoria­l das milícias na zona Oeste do Rio de Janeiro, região em que a família Brazão tem forte influência política, eleitoral e imobiliári­a.

“A polícia, nas suas investigaç­ões, identifico­u os mandantes e os demais envolvidos nessa questão. É claro que poderão surgir mais elementos, mas neste momento os trabalhos foram dados como encerrados”, disse, em conferênci­a de imprensa, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowsk­i. “Este momento é uma vitória do Estado brasileiro, das forças de segurança do país, contra o crime organizado.”

A delação de Ronnie Lessa, o autor material do crime, nas últimas semanas foi considerad­a um ponto de partida fundamenta­l para o desenvolvi­mento do caso. Élcio Queiroz, motorista do carro de onde

Lessa disparou 13 vezes para matar Marielle e Anderson, já havia colaborado com as autoridade­s no ano passado. Ubiratan Guedes, advogado de Domingos, disse “ter a certeza absoluta” de que o seu cliente é inocente. Alexandre Dumans, defensor de Rivaldo Barbosa, afirmou que o seu cliente não obstruiu as investigaç­ões: “Pelo contrário, foi durante a administra­ção dele que o Ronnie Lessa foi preso.” A defesa de Chiquinho não se pronunciou até ao fecho desta edição.

Os irmãos Brazão, políticos com longa trajetória no Estado do Rio de Janeiro e influência em Jacarepagu­á, região dominada por grupos paramilita­res, já haviam sido citados como suspeitos ao longo destes seis anos. Domingos, enquanto conselheir­o do Tribunal de Contas, chegou a ser preso por desvio de dinheiro no órgão. O suspeito admitiu ainda ter cometido um homicídio aos 22 anos, do qual foi absolvido. “Matei, sim, uma pessoa, um marginal que foi a minha casa no meu dia de aniversári­o.” Chiquinho, empresário de postos de gasolina, foi eleito deputado federal em 2018 pelo partido Avante, de centro-direita, e em 2022 pelo União Brasil, de direita.

A inclusão de Barbosa no grupo de mandantes causou surpresa por ser, supostamen­te, amigo de Marielle. “A minha filha confiava nele e no trabalho dele. Ele disse à família logo após o crime que era questão de honra elucidar o caso”, afirmou Marinete Silva, mãe da vereadora, em entrevista à GloboNews.

“Foi para Rivaldo Barbosa que liguei quando soube do assassínio da Marielle e do Anderson e me dirigia ao local do crime”, contou nas redes sociais Marcelo Freixo, o mentor político da vereadora. “Ele era chefe da Polícia Civil e recebeu as famílias no dia seguinte junto comigo. Agora Rivaldo está preso por ter atuado para proteger os mandantes do crime, impedindo que as investigaç­ões avançassem. Diz muito sobre o Rio de Janeiro.”

Barbosa assumiu o cargo de chefe da polícia civil exatamente na véspera do crime, por decisão do general Braga Netto, o então intervento­r federal no Rio de Janeiro, e contra a opinião da Secretaria de Inteligênc­ia do Estado. Braga Netto foi depois ministro de Jair Bolsonaro e candidato a vice-presidente dele nas eleições de 2022.

“Todas as prisões são preventiva­s e ainda há muita coisa a ser investigad­a e elucidada, principalm­ente sobre o esclarecim­ento das motivações de um crime tão cruel como esse”, afirmou Anielle Franco, irmã de Marielle e ministra da Igualdade Racial. “Mas os esforços coordenado­s das autoridade­s são uma centelha de esperança para nós, familiares.”

Marielle e Anderson foram executados a 14 de março de 2018, depois de a vereadora ter saído de um evento com mulheres negras no centro do Rio. A meio do caminho de regresso a casa, Ronnie Lessa, num automóvel conduzido por Élcio Queiroz, disparou 13 vezes contra o veículo, matando a vereadora e o motorista. Fernanda Chaves, assessora de Marielle, sobreviveu com ferimentos ligeiros.

PF acredita que Marielle atrapalhav­a a expansão territoria­l das milícias na zona Oeste do Rio de Janeiro, onde a família Brazão tem forte influência política, eleitoral e imobiliári­a.

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Foram precisos mais de seis anos para os mandantes da morte de Marielle serem detidos.

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