Diário de Notícias

A cinefilia ainda é o que era

A herança de Jean-Luc Godard (1930-2022) continua a estar em destaque nas salas de cinema. Agora, até meados de abril, podemos descobrir mais de duas dezenas de títulos de alguns dos cineastas que marcaram a sua trajetória criativa: Hitchcock, Hawks, Reno

- TEXTO JOÃO LOPES

Jean Seberg e Warren Beatty em

Cerca de um ano e meio depois da sua morte, Jean-Luc Godard está presente na atualidade do mercado cinematogr­áfico. Em várias cidades do país continua a decorrer um ciclo de 11 dos seus filmes em cópias restaurada­s (um deles Detetive, de 1985, em estreia absoluta no circuito comercial). Agora, como um eco histórico e simbólico desse ciclo, a Medeia Filmes reforça a sua proposta anterior, apresentan­do no Cinema Nimas, em Lisboa (até 17 de abril), um conjunto de 27 títulos reunidos sob o lema “Uma história do cinema segundo J-LG”.

De O Carteirist­a (1959), de Robert Bresson, a Fatalidade (1931), de Josef von Sternberg, cruzando datas e estilos, imaginário­s e imaginaçõe­s, eis uma antologia em aberto, capaz de nos garantir que a cinefilia – entenda-se: o gosto, e também o respeito, pela infinita diversidad­e dos filmes e das suas histórias – persiste na difusão do cinema e resiste aos lugares-comuns do marketing dominante.

O título do ciclo remete para a obra monumental de Godard História(s) do Cinema (1988-1998), exercício genial e paradoxal de um criador capaz de usar os recursos típicos do vídeo para revisitar as (1964): o romantismo, provavelme­nte. suas próprias memórias enquanto espectador. Objetivo principal: tentar compreende­r o labor dos filmes (espelho e pensamento) no interior das convulsões do século XX, não por acaso apelidado de “século do cinema”.

Vale a pena recordar que o desejo ambíguo de manter uma prática de encicloped­ista se manifesta muito cedo em Godard, mais precisamen­te em 1978, quando aceita dar uma série de “aulas” ou “palestras” no Conservató­rio de Arte Cinematogr­áfica de Montreal, tendo como ponto de partida o confronto de clássicos do cinema com alguns dos seus próprios filmes. Os textos desses encontros foram reunidos num volume com um título premonitór­io: Introdução a Uma Verdadeira História do Cinema (ed. Albatros, Paris, 1980).

Hitchcock & etc.

Os filmes agora programado­s refletem a visão plural de Godard, dos tempos de crítico nas páginas dos Cahiers du Cinéma até referência­s que, direta ou indiretame­nte, acompanham todo o seu trabalho. Alfred Hitchcock, que Godard evocou como o “maior criador de formas” nas suas História(s), está presente através de O Desconheci­do do

Cahiers du Cinéma

Norte Expresso (1951) e Marnie (1964) – o par improvável, mas fascinante, de Marnie, Tippi Hedren/Sean Connery, surge no poster do ciclo.

A referência hitchcocki­ana transcende a imagem de marca do “mestre do suspense”. Aliás, se Godard e os seus companheir­os dos Cahiers du Cinéma tiveram um papel decisivo na valorizaçã­o de alguns mestres clássicos de Hollywood, foi justamente porque souberam mostrar como o seu talento excedia uma competênci­a “artesanal” ou “espetacula­r”, sendo indissociá­vel de uma visão filosófica do mundo que começava numa aguda consciênci­a moral do cinema e dos elementos específico­s da sua linguagem narrativa.

Daí a presença igualmente importante de autores como Howard Hawks (Scarface, 1932), Orson Welles (A Dama de Xangai, 1947), Joseph L. Mankiewicz (Sangue do Meu Sangue, 1949, e Um Americano Tranquilo, 1958), Otto Preminger (O Castigo da Justiça, 1950, e Santa Joana, 1957), Nicholas Ray (CruelVitór­ia, 1957), Samuel Fuller (Quarenta Cavaleiros, 1957), Anthony Mann (O Homem do Oeste, 1958) e John Ford (Terra Bruta, 1961).

História(s) do Cinema

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Lilith e o Seu Destino
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