Diário de Notícias

Três dias após atentado, Putin admite autoria de “islamistas radicais”

Líder russo mantém a suspeita de que o ataque terrorista tenha ligações ao “regime neonazi de Kiev”. Macron oferece cooperação francesa e diz para Moscovo não culpar a Ucrânia.

- TEXTO CÉSAR AVÓ

OKremlin recusou comentar as ligações dos suspeitos do ataque terrorista na sala de concertos Crocus City Hall, nos subúrbios de Moscovo, ao Estado Islâmico na segunda-feira, para horas depois o líder máximo russo admiti-lo. No entanto, Vladimir Putin não abandonou a narrativa de que a Ucrânia esteja envolvida no tiroteio e incêndio que matou pelo menos 139 pessoas na sexta-feira.

“Sabemos que o crime foi cometido pelas mãos de islamistas radicais, cuja ideologia o próprio mundo islâmico combate há séculos”, disse Putin antes de assestar baterias para a Ucrânia. “Esta atrocidade pode ser apenas um elo de uma série de tentativas daqueles que estão em guerra com o nosso país desde 2014, pelas mãos do regime neonazi de Kiev. É claro que é necessário responder à pergunta: porque é que, depois de cometerem o crime, os terrorista­s tentaram ir para a Ucrânia? Quem estava à espera deles lá?”, especulou. A filial afegã do Estado Islâmico (EI-Khorasan) tem reivindica­do desde sexta-feira a autoria do atentado, com os meios de comunicaçã­o e as redes sociais ligadas ao EI a publicarem vídeos dos atiradores no interior do recinto.

O presidente francês disse ter informaçõe­s que indicam ter sido “uma entidade do Estado Islâmico que instigou” o ataque. Emmanuel Macron ofereceu a cooperação francesa a Moscovo e advertiu a liderança russa: “Seria cínico e contraprod­ucente para a própria Rússia e para a segurança dos seus cidadãos utilizar este contexto para tentar virá-lo contra a Ucrânia.” Macron, que no início da invasão da Rússia falou várias vezes com Putin, não mais comunicou diretament­e com o líder russo. Já o primeiro-ministro Gabriel Attal, cujo governo elevou o dispositiv­o antiterror­ista para o nível mais elevado, com 4 mil militares em alerta, disse que as autoridade­s francesas frustraram dois ataques terrorista­s desde janeiro.

A ameaça do Estado Islâmico-Khorasan também não é novidade na Rússia. Com a intervençã­o militar na Síria, o Kremlin e o EI declararam guerra mutuamente. Em fevereiro de 2023, o FSB afirmou ter impedido um ataque do EI a uma fábrica de produtos químicos em Kaluga. Na mesma cidade, mas no início do mês, o FSB “neutralizo­u” militantes do EI e disse ter frustrado um ataque contra uma sinagoga em Moscovo.

No domingo à noite, os quatro suspeitos, com origem no Tajiquistã­o, foram apresentad­os em tribunal, onde receberam a acusação de terrorismo. Todos apareceram com marcas de tortura e as autoridade­s fizeram questão de passar vídeos da mesma através de canais do Telegram. Um deles, Muhammadso­bir Fayzov, foi transporta­do em cadeira de rodas de um hospital para a cela do tribunal do círculo de Basmanny, onde se manteve em estado semiconsci­ente. Fayzov, de 19 anos, vivia em Ivanovo, 250 quilómetro­s a nordeste de Moscovo. Saidakrami Rachabaliz­oda, de 30 anos, que disse não se lembrar onde vivia, surgiu com a orelha direita com uma ligadura. Elementos das forças russas cortaram-lhe a orelha e introduzir­am-na sua boca, como se pode comprovar nos vídeos. Uma fotografia também publicada no Telegram mostrou Shamsidin Fariduni, de 25 anos, com residência em Krasnogors­k – o subúrbio de Moscovo onde se desenrolou o atentado terrorista – sob tortura com choques elétricos nos órgãos genitais. Num interrogat­ório, Fariduni confessou ter matado por dinheiro depois de ter sido contactado via Telegram por um desconheci­do, “sem nome, sem apelido”, este propôs entregar-lhe meio milhão de rublos (cerca de 5000 euros) em troca de uma matança. O primeiro a ser ouvido em tribunal, Dalerjon Mirzoyev, de 32 anos, tem residência oficial em Novosibirs­k, a 3500 quilómetro­s de Moscovo, e compareceu em tribunal com um saco de plástico à volta do pescoço.

Na segunda-feira à tarde foram levados a tribunal Dilovar Islomov, o proprietár­io do automóvel em que os quatro alegados terrorista­s fugiram até Briansk, assim como o seu irmão Aminchon e o pai Isroil (este também tajique, os filhos já nascidos na Rússia). As autoridade­s russas suspeitam que Fariduni recrutou os dois irmãos.

As autoridade­s russas passaram vídeos e fotografia­s para as redes sociais da tortura infligida aos quatro suspeitos do ataque terrorista.

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Os suspeitos do ataque terrorista apareceram em tribunal com marcas visíveis de maus-tratos.

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