Grandeza à mesa
Trás-os-Montes é onde pulsam a portugalidade e uma certa arte de ser português. Justifica e pede visita recorrente e, pelo menos, uma vez na vida há que atender aos seus encantos e deixar-se levar pelos seus produtos, histórias e gentes. Venha daí em modo descoberta até aos cocurutos do nosso país e delicie-se.
Édo amarantino Teixeira de Pascoaes a obra Arte de ser português, na qual lavra de forma brilhante a aldeia e o pequeno reticulado transmontano enquanto reduto inefável que todos os portugueses transportam no coração. Amarante estabelece a fronteira entre o Minho e Trás-os-Montes, com o imponente Marão logo ali. Chegou ao ponto de escrever que mesmo o português da cidade – aqui referindo-se já a todo o território luso – tem origem numa aldeia. Afirmação dramática de que inevitavelmente nos recordamos quando de Amarante viajamos serra fora até Bragança.
Nesta altura de Páscoa, estão bem presentes os enchidos, o presunto e a caça e sobe o folar transmontano a delícia rica e copiosa, feito que é com o melhor fumeiro.
Um restaurante
E antes de nos darmos conta, estamos à mesa no maravilhoso Solar Bragançano, em Bragança (273 323 875), de Ana Maria e António Desidério Martins, promontório e luzeiro de um caminho alumiado pelo génio de Pascoaes e tantos outros, rendidos ao charme e prática da mesa genuinamente transmontana. Aqui celebram-se diariamente o fogo de lenha e a magia dos potes de ferro que Ana Maria manobra como ninguém, como se perscrutasse o conteúdo fervente de cada um. É experiência matricial que convidamos todos a fazer, pelo caráter fundador de praticamente toda a mesa de Trás-os-Montes. Além disso, a excelência do atendimento proporcionado por Desi- dério faz-nos sentir parte da família e estamos como em casa.
Comece por uma sopa de castanhas (4,50 euros) e uma entrada de fumeiro regional (6 euros), composta de alheira e chouriça. Havendo, não deixe de provar as trutas com molho de presunto (12,50 euros), gloriosa evocação da água pura dos rios e da cura única do presunto que se faz para cá do Marão. Delicie-se com um belo e único coelho bravo à monsenhor (16 euros) ou com o copioso arroz de lebre à moda do Solar (18,50 euros), em ambos vai poder aquilatar a arte da cozinha clássica feita delícia moderna. O pudim abade de Baçal (5,50 euros) será terminação feliz, com a garantia de que vai querer voltar muitas vezes. Há poucas mesas assim em Portugal.
Os enchidos
É inevitável a deambulação por alguns locais do imenso território transmontano, e numa semana apenas não vai conseguir ver tudo, pelo que aconselhamos que siga a lista que preparámos para si. Comecemos pelo fumeiro, em que há muito para explorar.
Seguramente já ouviu falar do presunto de Chaves, o mesmo que encantou o abade de Priscos a ponto de imortalizar a sua gordura entremeada incluindo-a na receita base do pudim que leva o seu nome.
“Presunto gordo, do de Chaves”, escreveu o abade. É uma peça inconfundível, pela forma arredondada, quando todos os outros têm forma alongada. O presunto de Chaves é curado atado, enquanto os outros são dependurados, resultando em mais sabor e intensidade de umami para o primeiro. A designação de Chaves bebe na história pelo facto de ser ponto de confluência de muitos produtores nas respetivas localizações; Chaves propriamente dita não tem, nem teve, produção própria. Dali eram tradicionalmente enviados e assim ficou. Montalegre, Boticas e algumas outras localidades foram e são aquelas onde encontramos a excelência.
Aconselho a visita à Dom Fumeiro (domfumeiro.pt), de João Paulo Costa e sua mulher Assunção Rosinha (927 054 369), em Boticas, para saber mais, provar e até comprar o produto autêntico e demais fumeiro. São ambos veterinários sábios, com muito conhecimento para partilhar com quem quiser saber mais.
Aconselho em Mirandela a AMIL se está com vontade de comprar alheiras exemplares. Jorge Humberto (916 130 111) é o proprietário desta maravilhosa operação, onde encontra uma panóplia grande de produtos.
Consulte o site vifumeiro.pt para se inteirar da operação e produtos da fábrica em Vinhais, outro ponto nevrálgico.
Os vinhos
Em matéria vínica, Trás-os-Montes são denominação em franca ascendência, pelo que deve alinhar pelo menos três produtores de vinhos únicos, marca Mont’Alegre. Francisco Gonçalves (938 231 101), que em Montalegre gere a vinha mais alta de Portugal, como pode ver em fgwines.pt; Amílcar Salgado (938 231 101), em Arcossó, com uma produção única e muito especial, resultado de muita dedicação e amor; e Paulo Martins (252 299 010), que na Quinta de Vidago produz os vinhos Vidago Villa. Todos recebem visitas e têm venda direta dos seus vinhos.
O azeite
A ronda transmontana nunca ficaria completa sem um bom azeite. Na Casa de Santo Amaro (278 979 132), em Sucçães-Mirandela, tem ao seu dispor toda uma gama de excelência, de gabarito internacional, marca dos irmãos Francisco e António Ataíde Pavão. Não há razão para se perder por Trás-os-Montes. Boas férias!