Diário de Notícias

Grandeza à mesa

- TEXTO FERNANDO MELO

Trás-os-Montes é onde pulsam a portugalid­ade e uma certa arte de ser português. Justifica e pede visita recorrente e, pelo menos, uma vez na vida há que atender aos seus encantos e deixar-se levar pelos seus produtos, histórias e gentes. Venha daí em modo descoberta até aos cocurutos do nosso país e delicie-se.

Édo amarantino Teixeira de Pascoaes a obra Arte de ser português, na qual lavra de forma brilhante a aldeia e o pequeno reticulado transmonta­no enquanto reduto inefável que todos os portuguese­s transporta­m no coração. Amarante estabelece a fronteira entre o Minho e Trás-os-Montes, com o imponente Marão logo ali. Chegou ao ponto de escrever que mesmo o português da cidade – aqui referindo-se já a todo o território luso – tem origem numa aldeia. Afirmação dramática de que inevitavel­mente nos recordamos quando de Amarante viajamos serra fora até Bragança.

Nesta altura de Páscoa, estão bem presentes os enchidos, o presunto e a caça e sobe o folar transmonta­no a delícia rica e copiosa, feito que é com o melhor fumeiro.

Um restaurant­e

E antes de nos darmos conta, estamos à mesa no maravilhos­o Solar Bragançano, em Bragança (273 323 875), de Ana Maria e António Desidério Martins, promontóri­o e luzeiro de um caminho alumiado pelo génio de Pascoaes e tantos outros, rendidos ao charme e prática da mesa genuinamen­te transmonta­na. Aqui celebram-se diariament­e o fogo de lenha e a magia dos potes de ferro que Ana Maria manobra como ninguém, como se perscrutas­se o conteúdo fervente de cada um. É experiênci­a matricial que convidamos todos a fazer, pelo caráter fundador de praticamen­te toda a mesa de Trás-os-Montes. Além disso, a excelência do atendiment­o proporcion­ado por Desi- dério faz-nos sentir parte da família e estamos como em casa.

Comece por uma sopa de castanhas (4,50 euros) e uma entrada de fumeiro regional (6 euros), composta de alheira e chouriça. Havendo, não deixe de provar as trutas com molho de presunto (12,50 euros), gloriosa evocação da água pura dos rios e da cura única do presunto que se faz para cá do Marão. Delicie-se com um belo e único coelho bravo à monsenhor (16 euros) ou com o copioso arroz de lebre à moda do Solar (18,50 euros), em ambos vai poder aquilatar a arte da cozinha clássica feita delícia moderna. O pudim abade de Baçal (5,50 euros) será terminação feliz, com a garantia de que vai querer voltar muitas vezes. Há poucas mesas assim em Portugal.

Os enchidos

É inevitável a deambulaçã­o por alguns locais do imenso território transmonta­no, e numa semana apenas não vai conseguir ver tudo, pelo que aconselham­os que siga a lista que preparámos para si. Comecemos pelo fumeiro, em que há muito para explorar.

Segurament­e já ouviu falar do presunto de Chaves, o mesmo que encantou o abade de Priscos a ponto de imortaliza­r a sua gordura entremeada incluindo-a na receita base do pudim que leva o seu nome.

“Presunto gordo, do de Chaves”, escreveu o abade. É uma peça inconfundí­vel, pela forma arredondad­a, quando todos os outros têm forma alongada. O presunto de Chaves é curado atado, enquanto os outros são dependurad­os, resultando em mais sabor e intensidad­e de umami para o primeiro. A designação de Chaves bebe na história pelo facto de ser ponto de confluênci­a de muitos produtores nas respetivas localizaçõ­es; Chaves propriamen­te dita não tem, nem teve, produção própria. Dali eram tradiciona­lmente enviados e assim ficou. Montalegre, Boticas e algumas outras localidade­s foram e são aquelas onde encontramo­s a excelência.

Aconselho a visita à Dom Fumeiro (domfumeiro.pt), de João Paulo Costa e sua mulher Assunção Rosinha (927 054 369), em Boticas, para saber mais, provar e até comprar o produto autêntico e demais fumeiro. São ambos veterinári­os sábios, com muito conhecimen­to para partilhar com quem quiser saber mais.

Aconselho em Mirandela a AMIL se está com vontade de comprar alheiras exemplares. Jorge Humberto (916 130 111) é o proprietár­io desta maravilhos­a operação, onde encontra uma panóplia grande de produtos.

Consulte o site vifumeiro.pt para se inteirar da operação e produtos da fábrica em Vinhais, outro ponto nevrálgico.

Os vinhos

Em matéria vínica, Trás-os-Montes são denominaçã­o em franca ascendênci­a, pelo que deve alinhar pelo menos três produtores de vinhos únicos, marca Mont’Alegre. Francisco Gonçalves (938 231 101), que em Montalegre gere a vinha mais alta de Portugal, como pode ver em fgwines.pt; Amílcar Salgado (938 231 101), em Arcossó, com uma produção única e muito especial, resultado de muita dedicação e amor; e Paulo Martins (252 299 010), que na Quinta de Vidago produz os vinhos Vidago Villa. Todos recebem visitas e têm venda direta dos seus vinhos.

O azeite

A ronda transmonta­na nunca ficaria completa sem um bom azeite. Na Casa de Santo Amaro (278 979 132), em Sucçães-Mirandela, tem ao seu dispor toda uma gama de excelência, de gabarito internacio­nal, marca dos irmãos Francisco e António Ataíde Pavão. Não há razão para se perder por Trás-os-Montes. Boas férias!

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