Diário de Notícias

O vencedor por photo finish e a lebre atrás da Medalha de Ouro

- Leonardo Ralha Grande repórter do Diário de Notícias

Éraro, mas acontece. Por vezes, um corredor é contratado para impor o ritmo de uma prova, elevando as hipóteses de recorde para o favorito, mas em vez de desistir a meio, com a satisfação do dever cumprido e a devida transferên­cia bancária a recompensa­r o esforço, encontre força e vontade para se manter até ao fim. E, num ou noutro caso, acabar por sair vencedor.

AndréVentu­ra talvez não tenha aparência de lebre, e não só por não ser queniano, como muitos corredores de meio-fundo que ajudam outros a estabelece­r novos máximos. Mas o líder do Chega tem a experiênci­a de levar António Costa a obter uma inesperada maioria absoluta, alicerçada na mensagem, tantas vezes repetida pelo então secretário-geral do PS, durante a campanha para as legislativ­as de 2022, que o anterior presidente do PSD, Rui Rio, estaria pronto a dividir o poder com o partido de direita radical, já capaz de gerar receios antes de passar de um deputado único para uma dúzia de mandatos.

Nas inesperada­s eleições de 10 de março, com a desgastada maioria absoluta socialista conduzida por um novo líder e ensombrada pela Operação Influencer, AndréVentu­ra já não serviu de lebre para Pedro Nuno Santos. Sobretudo por o temor decorrente do partido mais à direita na Assembleia da República ter sido ultrapassa­do pelo medo de que tudo ficasse igual durante mais alguns anos.

A certo momento pensou-se que Luís Montenegro conseguiri­a fazer de André Ventura a sua lebre, aproveitan­do o “Não é não” para se afastar da armadilha em que caiu Rui Rio, pelo que seria necessário dar força à Aliança Democrátic­a para governar Portugal e aplicar políticas diferentes. Mas o engano foi ledo e cego, com as sondagens a revelarem que o Chega estava em rota de multiplica­ção, restando apenas a dúvida de saber se o grupo parlamenta­r duplicaria, triplicari­a... ou algo mais.

Luís Montenegro, que teve de esperar pelos votos da emigração para assegurar uma vitória por photo finish, correndo o sério risco de ver o PSD a ficar com menos um deputado do que o PS, acabou por servir de lebre ao cresciment­o deVentura. O líder social-democrata, de quem alguns correligio­nários disseram que nunca seria primeiro-ministro, fez uma campanha eficaz na promoção da mudança junto do eleitorado, mas quando um em cada cinco portuguese­s se dirigiram às mesas de voto decidiram que a mudança passaria pelo Chega.

Tudo o que se tem passado desde a noite eleitoral, com epicentro naquilo que ocorreu na Assembleia da República na tarde de ontem, confirma que o vencedor por photo finish deve manter-se muito atento ao PS e ainda muitíssimo mais atento à lebre, que na próxima corrida ambiciona não só ficar na corrida até ao fim, como também obter a Medalha de Ouro. Mesmo que, para isso, tenha de empurrar o adversário para fora da pista, ou forçá-lo a cometer erros que o beneficiem a curto, médio ou longo prazo. A melhor estratégia para lidar com o Chega não é fácil de escolher, mas dificilmen­te Luís Montenegro poderá ter um Governo longo e bem-sucedido se não a encontrar.

Tudo o que se tem passado desde a noite eleitoral (...) confirma que o vencedor por photo finish deve manter-se muito atento ao PS e ainda muitíssimo mais atento à lebre, que na próxima corrida ambiciona não só ficar na corrida, como também obter a Medalha de Ouro.”

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