Diário de Notícias

Pode alguém ser quem não é?

- Pedro Tadeu Jornalista

Ofacto de o PSD ter pensado que podia fazer com o Chega e a Iniciativa Liberal a formação das presidênci­as e vice-presidênci­as da Assembleia da República sem dar cavaco ao PS – partido que tem o mesmo número de deputados dos sociais-democratas – quebrou não só o hábito de os dois partidos do Centrão negociarem preferenci­almente entre si este tipo de cargos institucio­nais, sem poder executivo, como quebrou também a ilusão maximalist­a do “Não é não” ao Chega, que o primeiro-ministro indigitado lançou durante a campanha eleitoral.

Luís Montenegro deu assim sinais de que não pretendia andar a mendigar alternadam­ente entre PS e Chega apoios no Parlamento para o seu Executivo saído de uma maioria relativa: o acordo que permitiu a governação PSD nos Açores com o partido de AndréVentu­ra e a tentativa de arranjinho informal para a condução dos trabalhos na Assembleia da República mostram que é preferenci­almente, embora envergonha­damente, com a direita, com toda a direita e somente com a direita que ele se quer entender – só o fará com o PS excecional­mente, quando for obrigado, e se ganhar alguma coisa com isso.

O falhanço da primeira tentativa de eleição para a presidênci­a da Assembleia da República, por aparente sabotagem do Chega, insatisfei­to por não se ter dito claramente que havia um acordo com o PSD nesse sentido, não invalida o ponto de partida que Luís Montenegro escolheu fazer.

Há uma parte desta conclusão que acaba por ser salutar para a esquerda: perder ilusões é sempre bom.

Havia umas alminhas no Partido Socialista, sempre prontas a fazer acordos com os sociais-democratas, que já andavam por aí a dizer que, em questões ditas “de regime” ou de “interesse nacional” (duas definições suficiente­mente vagas para permitirem quase tudo), deveriam celebrar-se acordos com os novos governante­s.

Ontem esses mesmos génios da política palaciana rosnavam indignação pela indiferenç­a com que Luís Montenegro os tratou e juravam uma oposição feroz e sem tréguas ao novo poder – e vingaram-se vetando a primeira votação para o candidato apresentad­o pelo PSD.

Quando lhes passar a fúria (já amanhã ou depois, que estas emoções fortes são do género pífio), é natural que os vapores esquerdist­as que os excitaram comecem a evaporar-se, mas a cândida quimera de ser possível um modus vivendi com a nova direita que domina agora a Assembleia da República, que em breve dominará o Governo e que, depois, dominará grande parte do aparelho de Estado (e não conto aqui com a Chefia do Estado, mas se calhar devia...) também deve ter ficado desfeita no fumo dos desejos tomados por realidade.

A direita terá divisões, mas está destinada a entender-se se quiser sobreviver no poder e julgo que não vai, no que interessa, depois de anos e anos de travessia de deserto político, dar armas ao PS, mesmo que ele esteja disposto, como tantas vezes fez no passado, como fez há pouco tempo o Governo de maioria absoluta de António Costa, a assinar por baixo políticas de direita.

Em tese, ao PS só restaria então tentar ser a oposição mais forte e decidida no Parlamento contra a direita, contra o PSD, mais firme e mais radical até que PCP e Bloco… mas desconfio que não vai ser capaz e acaba sempre nos consensos “de regime.

Lembro que, do outro lado, Rui Rio tentou a oposição dita “responsáve­l” e “moderada” a António Costa com resultados desastroso­s e o próprio Montenegro não conseguiu impedir que muitos vissem no Chega a oposição tenaz ao PS que ele não foi capaz de fazer e, por isso, ganhou as eleições por uma nesga e olha agora para um Parlamento com 50 deputados de extrema-direita.

Essa memória e a ironia de o PS ter criado um enorme excedente orçamental enquanto recusou apoios sociais justos, uma política típica da direita que vai permitir agora a Luís Montenegro satisfazer algumas dessas reivindica­ções, deveriam ser lições definitiva­s para os socialista­s.

Mas não vão ser. Mesmo com Pedro Nuno Santos, que se autoprocla­ma de “esquerda convicta”, coisa que o PS, na verdade, nunca foi – na prática foi sempre mais de “esquerda vacilante”.

Pode agora o PS, finalmente, mudar? Foi isso que vimos ontem?... Pode alguém ser quem não é?

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