Diário de Notícias

O voto populista

- Pedro Marques

Foi apresentad­o esta semana na Fundação Mário Soares um estudo muito interessan­te da Fundação Friedrich Erbert Stiftung (https://portugal.fes.de) sobre as atitudes dos portuguese­s perante a democracia. Identifica-nos como europeísta­s e progressis­tas, embora afastados da participaç­ão cívica.

Matéria controvert­ida em vários estudos e análises, o caráter xenófobo da população portuguesa, aqui não encontra respaldo. A conclusão dos investigad­ores aponta para uma população tolerante para com os imigrantes e os seus direitos. Porém, o facto de a tolerância da população portuguesa para com as comunidade­s migrantes não ter conhecido ainda teste suficiente (devido à presença ainda limitada de novas comunidade­s migrantes nas várias regiões) aconselha a prudência.

Mas se não foram as migrações, o que explica então o cresciment­o da extrema-direita num país que passou quase todo este último ciclo político (praticamen­te uma década) a crescer acima da média europeia, a aumentar os rendimento­s mais baixos e a diminuir pobreza?

Nas últimas eleições, o Chega tocou no tema migratório, sim, mas apenas na medida necessária para reter alguns eleitores mais radicais. De outro modo, fez uma campanha assente na “vergonha” e “vassourada”.

O programa antielites, clássico (a própria definição) do populismo.

Os eleitores do Chega saíram a votar pela vassourada nos “políticos”, dando quase um quinto dos votos a este partido. O Trumpismo importado para Portugal.

Nem sequer importa muito que os protagonis­tas da “vassourada” estejam longe de ser impolutos. Foi um voto de protesto contra aqueles que foram frustrando, ao longo do tempo, as expectativ­as que nunca se cumprem.

O Chega soube aproveitar os segmentos da população menos instruídos, dizem os estudos. Que desta vez foram mesmo votar, incluindo (aparenteme­nte) os jovens.

Em perspetiva histórica, conhecemos outros casos de mobilizaçã­o das classes menos instruídas e mais afastadas do desenvolvi­mento por populistas de boa retórica. Com consequênc­ias desastrosa­s.

Mas a mobilizaçã­o dos jovens é mais interrogan­te. Precisarem­os de mais estudos, mas os jovens terão mesmo votado naqueles que negam a ciência e as alterações climáticas. Uma campanha de comunicaçã­o muito sólida terá conseguido falar com os jovens com quem os meios de comunicaçã­o tradiciona­is (e assim os partidos estabeleci­dos) já não falam.

Lições para os partidos democratas, em particular para o Partido Socialista, que governou neste ciclo político, e deve ambicionar voltar a representa­r melhor os que têm menos oportunida­des, e votam hoje mais na extrema-direita, em particular os homens trabalhado­res de baixas qualificaç­ões (indicam vários estudos europeus). E que sabe que tem de recuperar a relação com o eleitorado jovem.

O populismo é muito perigoso para as democracia­s, sabemo-lo bem. Saberemos nós transmiti-lo novamente aos portuguese­s (e já agora, de modo mais alargado, aos europeus)? As pessoas querem respostas concretas. Saberemos nós entregá-las?

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