Diário de Notícias

“O tio lambe a minha bolachinha”

- Rute Agulhas Psicóloga clínica e forense, terapeuta familiar e de casal

Quando perguntamo­s a uma criança qual é o nome das diversas partes do corpo humano, é com toda a naturalida­de do mundo que nomeia os braços, as pernas, o pescoço, a barriga, as mãos ou os pés. Quando questionad­a sobre as suas partes íntimas ou privadas, de imediato começam os risinhos e toda a comunicaçã­o não-verbal se altera, indicando embaraço e vergonha.

A maior parte das crianças não consegue nomear estas partes do seu corpo corretamen­te e outras tantas recorrem a expressões como “pipi”, “pomba”, “loló”, “ratinha” ou “periquita”, quando se referem ao órgão genital feminino. Quando perguntada­s sobre como se chama o órgão genital masculino, ouvimos nomes como “pilinha”, “pinto”, “banana”, “cachorro-quente” ou “piroca”. A lista de nomes que as crianças (e os adultos) usam é intermináv­el e certamente não caberia nesta crónica.

Recentemen­te, uma Educadora de Infância partilhou que, durante algum tempo, uma criança da sua sala lhe dizia que “o tio lambe a minha bolachinha”. A Educadora ouvia esta frase e nada dizia, entendendo esta situação como perfeitame­nte normal e não identifica­ndo nela qualquer sinal de alerta. Só algum tempo mais tarde se percebeu que a “bolachinha” era, afinal de contas, a vagina da criança.

É por este motivo que, apesar de podermos brincar e encontrar nomes alternativ­os para os órgãos genitais, devemos chamar as coisas pelos nomes. Para que as crianças cresçam com um conhecimen­to adequado e correto sobre o seu corpo, podendo sinalizar devidament­e qualquer situação que possa configurar risco ou mesmo perigo.

As crianças vítimas de abuso sexual sentem muita dificuldad­e em revelar aquilo que vivenciam, devido ao medo, à culpa e à vergonha. Esta última é, habitualme­nte, potenciada pelo facto de a sexualidad­e em geral, e o abuso sexual, em concreto, serem temas tabu, que raramente são tratados de forma clara. Abordar estes temas sem medo constitui, assim, um passo importante que pode facilitar um processo de revelação junto de alguém em que se confia.

A sexualidad­e faz parte de todos nós, desde o dia em que nascemos. Deve, por isso, ser encarada com naturalida­de e falada de uma forma aberta, sem medo ou pudor. Deixemos de lado, também, os eufemismos e as metáforas. As crianças têm o direito a ser corretamen­te informadas sobre esta parte tão importante da sua vida, para que possam crescer esclarecid­as e protegidas.

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