“O tio lambe a minha bolachinha”
Quando perguntamos a uma criança qual é o nome das diversas partes do corpo humano, é com toda a naturalidade do mundo que nomeia os braços, as pernas, o pescoço, a barriga, as mãos ou os pés. Quando questionada sobre as suas partes íntimas ou privadas, de imediato começam os risinhos e toda a comunicação não-verbal se altera, indicando embaraço e vergonha.
A maior parte das crianças não consegue nomear estas partes do seu corpo corretamente e outras tantas recorrem a expressões como “pipi”, “pomba”, “loló”, “ratinha” ou “periquita”, quando se referem ao órgão genital feminino. Quando perguntadas sobre como se chama o órgão genital masculino, ouvimos nomes como “pilinha”, “pinto”, “banana”, “cachorro-quente” ou “piroca”. A lista de nomes que as crianças (e os adultos) usam é interminável e certamente não caberia nesta crónica.
Recentemente, uma Educadora de Infância partilhou que, durante algum tempo, uma criança da sua sala lhe dizia que “o tio lambe a minha bolachinha”. A Educadora ouvia esta frase e nada dizia, entendendo esta situação como perfeitamente normal e não identificando nela qualquer sinal de alerta. Só algum tempo mais tarde se percebeu que a “bolachinha” era, afinal de contas, a vagina da criança.
É por este motivo que, apesar de podermos brincar e encontrar nomes alternativos para os órgãos genitais, devemos chamar as coisas pelos nomes. Para que as crianças cresçam com um conhecimento adequado e correto sobre o seu corpo, podendo sinalizar devidamente qualquer situação que possa configurar risco ou mesmo perigo.
As crianças vítimas de abuso sexual sentem muita dificuldade em revelar aquilo que vivenciam, devido ao medo, à culpa e à vergonha. Esta última é, habitualmente, potenciada pelo facto de a sexualidade em geral, e o abuso sexual, em concreto, serem temas tabu, que raramente são tratados de forma clara. Abordar estes temas sem medo constitui, assim, um passo importante que pode facilitar um processo de revelação junto de alguém em que se confia.
A sexualidade faz parte de todos nós, desde o dia em que nascemos. Deve, por isso, ser encarada com naturalidade e falada de uma forma aberta, sem medo ou pudor. Deixemos de lado, também, os eufemismos e as metáforas. As crianças têm o direito a ser corretamente informadas sobre esta parte tão importante da sua vida, para que possam crescer esclarecidas e protegidas.