O caso de Cannes
Filmar a adolescência com corpos em fogo. How to Have Sex – A Primeira Vez, é uma proposta de Molly Manning Walker, nova voz premiada britânica. Ou o cinema britânico a falar de sexo, mesmo que de forma irregular: caiu no goto do Festival de Cannes. Foi u
Olegado do cinema realista britânico chega às novas gerações com novas nuances, neste caso a clamar por uma ficção que se confunde com a derrisão dos códigos da reality TV e os espetros do documentário. A estreia da jovem Molly ManningWalker é um pequeno grande acontecimento: venceu em Cannes a Secção Un Certain Regard e tornou-se num dos filmes em destaque nos últimos BAFTA, já para não falar de uma claque forte de uma certa crítica internacional. How to Have Sex – A PrimeiraVez é um drama realista sobre adolescentes ingleses em férias e consentimento, um Spring Breakers com naturalismo extremo e um discurso sobre o peso atual da perda da virgindade numa cultura sexual com regras estritamente masculinas.
Se o título original sugere um guia de aprendizagem sexual, na verdade é um exemplo de como não fazer sexo, pegando no exemplo de três amigas adolescentes inglesas que partem para umas férias rápidas na Grécia, em Creta, numa estância apenas com juventude inglesa. É lá que uma delas é pressionada a perder a virgindade – Tara, tão influenciável como insegura. Primeiro tem um fraquinho por um dos rapazes da varanda ao lado do seu quarto do hotel, mas entre desencontros, excessos de farra e álcool, Tara acaba por se envolver com o amigo desse rapaz, o tão habitual “rapaz mais velho de má companhia”. Previsivelmente, é ele quem acaba por lhe tirar a virgindade numa noite sem ternura, sem respeito pelo prazer feminino.
Walker, com uma aridez que conquista, aborda também a fina linha entre abuso sexual e violação e vinca uma ideia explícita de uma geração “rasca”, presa ao álcool, drogas e à música eletrónica mais manhosa. Uma geração inglesa que vai a uma ilha estrangeira e se comporta com o hooliganismo tóxico e básico.
Mas a realizadora é também verdadeira na maneira como filma a alienação na música, nos excessos. Para quem já espreitou estes recreios vai identificar-se com a vibe de Albufeira – é literalmente igual, menos MD, mais MD... A câmara está no meio daquele deboche sem nunca o promover ou limitar a fazer das personagens femininas tolas sem personalidade ou os jovens rapazes bestas violadoras – há depois um arco de intriga que lhes dá uma complexidade humana. Digamos que é um anti-American Pie: é o pesadelo de todos os pais que não deram educação sexual aos filhos.
Por outro lado, há qualquer coisa que nos afeta em surdina: um golpe de coração. O filme torna-se tocante no último terço, sobretudo quando somos testemunhas de que uma má experiência sexual não faz de uma rapariga uma mulher.
Esta cineasta inglesa, que se veste à teen, está lançada: só se espera que o seu próximo filme saiba manter este conjunto de vultos perturbantes. Uma perturbação encenada com os tempos certos deste cinema do real. São poucas as cineastas que fazem da questão do corpo feminino político um manifesto nada panfletário. Este é um National Geographic de uma certa juventude party animal. Ou até que a ressaca dê cabo da falácia da diversão...