Erdogan quer Istambul de volta e vingar-se da sua maior derrota política
Amanhã os eleitores das 81 províncias são chamados a escolher os representantes locais. As atenções estão viradas para Istambul, a “joia da coroa” que o presidente ambiciona voltar a controlar.
OPartido Republicano do Povo (CHP), da oposição secular, retomou o controlo de Istambul – a potência económica da Turquia – em 2019, pela primeira vez desde que Recep Tayyip Erdogan a governou como presidente da câmara na década de 1990. As eleições de 2019, que foram um marco, também viram a oposição reconquistar a capital Ancara e manter o poder na cidade portuária do Egeu, Esmirna, quebrando a imagem de invencibilidade política de Erdogan.
O presidente turco encarregou o seu antigo ministro do Ambiente, Murat Kurum, de concorrer à presidência da Câmara de Istambul nas eleições de domingo. Erdogan está a tentar vingar a pior derrota política das suas duas décadas de Governo, quando o arquirrival do CHP, Ekrem Imamoglu, conquistou a Câmara Municipal.
O presidente recuperou no ano passado, vencendo umas eleições presidenciais que decorreram no meio de uma crise económica e na sequência de um terramoto e réplicas que causaram mais de 53 mil mortos. Agora, Erdogan tem como objetivo reconquistar Istambul, a cidade onde cresceu e onde iniciou a sua carreira política como presidente da câmara em 1994.
Imamoglu superou um aliado de Erdogan numa eleição de 2019 que foi notícia internacional por ter sido anulada de forma controversa. Venceu uma nova votação por uma margem enorme que o transformou num herói instantâneo para a oposição e num inimigo formidável para Erdogan. Imamoglu, de 52 anos, é visto como a melhor aposta da oposição para vencer a presidência ao partido AKP de Erdogan em 2028. “Imamoglu é um ator político eficaz e, neste momento, representa um dos poucos vislumbres de esperança para os eleitores que se opõem a Erdogan e ao AKP”, disse à AFP Anthony Skinner, diretor de investigação da empresa de consultoria geopolítica Marlow Global.
Mas o fraco desempenho nas eleições gerais do ano passado fraturou a oposição e levou o partido pró-curdo DEM – o terceiro maior no Parlamento – a apresentar os seus próprios candidatos para as eleições locais da próxima semana. Isto poderá custar caro à oposição. “O fraco desempenho da oposição política nas eleições de maio de 2023 demonstrou a sua incapacidade de desafiar eficazmente o statu quo político e, por extensão, a resiliência e a desenvoltura de Erdogan”, disse Skinner.
Em 2019, Imamoglu, do CHP, herdeiro político do fundador da Turquia republicana, Ataturk, recebeu o apoio de um vasto leque de partidos políticos, incluindo de direita, os curdos e os socialistas que se opõem a Erdogan. Mas a falta de unidade desta vez deverá custar a Imamoglu vários pontos percentuais.
Erdogan lidera a campanha do AKP e os seus comícios são transmitidos diariamente na televisão, enquanto os candidatos da oposição têm pouco tempo de antena. Em vez disso, utilizam as redes sociais. O facto de o Governo de Erdogan não ter conseguido controlar a inflação de 67% poderá prejudicar as hipóteses do seu candidato, Kurum. “Abriremos a porta de uma nova era a 31 de março”, disse Erdogan num grande comício em Istambul, no domingo, na esperança de unir os apoiantes de Kurum. “Vamos trabalhar muito e reconquistar Istambul.”
Osman Nuri Kabaktepe, o líder do AKP em Istambul, disse à AFP que a cidade é crucial porque é “a porta de entrada [dos turcos] para o mundo”, comparando-a com a importância de Nova Iorque e Berlim.
Berk Esen, professor associado da Universidade Sabanci de Istambul, retratou aquela cidade como “o maior prémio da política turca”. Segundo ele, a reconquista da cidade é extremamente importante para Erdogan, de 70 anos, que afirmou que as eleições autárquicas de março serão as suas últimas. “Obviamente, esta é a sua cidade. Mas vai para além disso”, disse Esen. “Istambul é uma cidade com enormes recursos municipais que presta serviços a 16 milhões de pessoas”, explicou.
Além disso, vários analistas acreditam que uma vitória dos candidatos de Erdogan nas grandes cidades daria um impulso para este tentar emendar a Constituição e poder concorrer a novo mandato em 2028.
As sondagens sugerem que em Istambul a corrida será renhida. Erman Bakirci, da empresa de sondagens Konda, insistiu que Imamoglu estava “à frente” e sugeriu que poderia haver “um fosso entre as sondagens e os resultados reais das eleições”.
Na capital, Ancara, o autarca do CHP, Mansur Yavas, parece estar à frente nas sondagens. Mas poderá haver “uma corrida muito renhida”, disse o especialista em comunicação política Eren Aksoyoglu, acrescentando que os aliados nacionalistas do AKP estão a “colocar todo o seu peso na batalha”. Os observadores dizem que o Partido DEM – acusado pelas autoridades de ligações a militantes curdos ilegais – irá dominar as grandes cidades do sudeste de maioria curda, incluindo Diyarbakir. Mas Aksoyoglu disse que alguns eleitores no sudeste podem estar desiludidos com o sistema político depois de 52 autarcas eleitos em 2019 pelo HDP (agora DEM) terem sido substituídos por administradores nomeados pelo Estado.