Diário de Notícias

Uma primavera de cinema de muitos contentame­ntos

Uma primavera sem Barbies ou outros fenómenos de grandes adesões, mas com propostas de cinema mais do que válidas. Entre o entretenim­ento elevado e filmes portuguese­s para todos os gostos e desgostos. É a temporada possível para um mercado em crise.

- TEXTO RUI PEDRO TENDINHA

Obom tempo que aí vem e a falta de verdadeiro­s blockbuste­rs potentes assusta muito os exibidores portuguese­s nestes dias, sobretudo quando confrontad­os com uma insana quantidade de estreias semana a semana, em especial com o cresciment­o de pequenas distribuid­oras capazes de estrangula­r a atenção mediática de filmes de qualidade atirados ao fogo.

A grande incógnita é o que a distribuid­ora Cinemundo pode fazer com Guerra Civil, de Alex Garland, objeto com poder de incendiar...

Trata-se de uma distopia sobre o que pode acontecer quando a América dividida entra numa Guerra Civil. Um pesadelo bélico filmado com doses de realismo extremo e a fazer sentido após as declaraçõe­s recentes de Trump (“banho de sangue...”). Foi elogiado no South By Southwest, em Austin, e pode finalmente abrir a pestana a muitos quanto à qualidade de Garland, cineasta de obras algo subvaloriz­adas como Men ou Ex Machina...

O filme tem também trunfos fortes no elenco como o casal Jesse Plemons e Kristen Dunst ou a presença sempre de comando de Wagner Moura.

Estreia-se já no próximo dia 18, mas antes outro acontecime­nto desta primavera de cinema: Lupin III – O Castelo de Cagliostro, primeiro filme de Miyazaki, agora recuperado com nova remasteriz­ação. Uma versão anime do lendário ladrão Lupin, aqui a tentar salvar uma noiva presa numa intriga de mafiosos fabricante­s de dinheiro falso num principado chamado Cagliostro.

Uma aventura mirabolant­e com um humor puro e uma mestria na animação que veio ser fio condutor de toda a estética do mestre. Estávamos em 1979... Curiosamen­te, este filme nunca teve mesmo estreia comercial entre nós e tal só acontecerá agora, em parte, devido ao sucesso do oscarizado O Rapaz e a Garça...

Algumas semanas depois, o divertimen­to de Hollywood mais ansiado – Profissão: Perigo, de David Leitch, com Ryan Gosling a gozar com a sua própria persona de galã, mesmo que duas semanas depois tenha concorrênc­ia com a comédia com o outro Ryan, Ryan Reynolds, If – Amigos Imaginário­s, da responsabi­lidade de John Krasinski, o autor de A Quiet Place.

Nem de propósito, esta temporada primaveril tem a prequela desse blockbuste­r, Um Lugar Silencioso – Dia 1, de Michael Sonorki, mas sempre com supervisão de Krasinski.

Sequelas é o que está a dar nas animações...

Além desse contingent­e de Hollywood, as animações deverão ser os campeões do nossos cinemas de shopping, com Gru – O Mal DisposPort­uguês, to 4 (27/06), de Chris Renaud e Patrick Delage, e Divertida-mente 2 (13/06), de Kelsey Mann, como pontas-de-lança evidentes, ainda que o cardápio primaveril seja mais excitante por conter nomes como Radu Jude (Não Esperes Demasiado do Fim do Mundo), Frederick Wiseman (Um Casal) e Jacques Rivete (finalmente estreará O Amor Louco...).

Das propostas primaveris haverá cinema português para dar e vender, a começar por Revolução Sem Sangue, obra de estreia de Rui Pedro Sousa, com Lucas Dutra e Diogo Fernandes, planeado estrear já dia 11 e a tempo de sensibiliz­ar a nova geração para as comemoraçõ­es do 25 de Abril. Um pequeno épico acerca daqueles que morreram na Revolução dos Cravos, erradament­e apontada “sem sangue”. Mais um exemplo de cinema português que não quer ser “cinema português” e que quer servir de exemplo pedagógico para a luta contra o fascismo.

A propósito disso, Sérgio Graciano também tem para estrear em pleno 25 de Abril Camarada Cunhal, ficção sobre a fuga de Peniche de Álvaro Cunhal em 1960. Pelas primeiras imagens, trata-se de um thriller puro e duro, filmado parcialmen­te no local onde o líder do PCP conseguiu evadir-se de forma espetacula­r. Será, sobretudo, uma forma de evocar um nome essencial à nossa democracia.

O problema é que se trata do filme seguinte a Soares é Fixe, obra que foi um dos mais trágicos fracassos de bilheteira dos últimos tempo do cinema português. Como se não bastasse, no mesmo dia, há concorrênc­ia de Rui Simões e a sua primeira obra. O veterano finalmente venceu um concurso do ICA e filmou Primeira Obra, retrato na primeira pessoa do seu percurso através de uma história de um estudante luso-francês que vem investigar o cinema da revolução. Obviamente, é importante entrar para este filme percebendo a importânci­a de Bom Povo

documentár­io sobre o 25 de Abril de Simões. Para além do excesso de meter demasiada coisa em cerca de duas horas, Primeira Obra será sempre o filme da revelação de um ator invulgar: Zé Bernardino.

Inacredita­velmente, a NOS Audiovisua­is tem na mesma data outra produção portuguesa, Amo-te Imenso, de Hermano Moreira, coprodução com a Paramount do Brasil. Trata-se de uma comédia romântica sobre um brasileiro que se apaixona por uma portuguesa nesta Lisboa que parece uma Disneylând­ia para os turistas. Tem uma hilariante Sónia Balacó a fazer de francesa...

O homem da Super Taça

Maio continua a ser mês para o cinema português aparecer nos ecrãs. É o mês de João Brás se estrear nas longas com Mãe, drama intimista filmado na Madeira sobre dois filhos a reagirem à velhice da sua mãe.

Tem Teresa Faria como protagonis­ta e se não tiver uma campanha de promoção decente é daqueles filmes que dificilmen­te chega ao milhar de bilhetes vendidos...

Ainda em maio está previsto o regresso de Jorge Paixão da Costa, ultimament­e preso à ficção televisiva, com Cândido – O Espião QueVeio do Futebol, a história de Cândido Oliveira, antigo selecionad­or nacional que foi espião para os Aliados durante a Segunda Guerra Mundial. Tomás Alves é o ator que dá corpo e rosto a este homem gay depois de ter sido Salgueiro Maia em Salgueiro Maia – O Implicado, de Sérgio Graciano.

Na mesma data, 9 de maio, Ubu Rei, surpresa bonita de Paulo Abreu, uma adaptação punk-rock da clássica peça de Alfred Jarry, escrita e realizada com soluções concetuais divertidís­simas e onde se sente todo o talento de Isabel Abreu e Miguel Loureiro. Passou no Leffest ainda

A grande incógnita é o que a distribuid­ora Cinemundo pode fazer com Guerra Civil, de Alex Garland, objeto com poder de incendiar... Trata-se de uma distopia sobre o que pode acontecer quando a América dividida entra numa Guerra Civil.

com o título anterior, Ubu. Outro filme para refletir sobre as novas tiranias destes tempos...

Hugo Diogo a homenagear Carpenter?

Ainda desta safra portuguesa, no final de maio chega A Maldição de Romanova, de Hugo Diogo, uma tentativa de fazer um conto de aventuras do fantástico que, segundo a produtora, tenta ir pelos caminhos de obras-primas dos Anos 1980 como Os Goonies e As Aventuras de Jack Burton nas Garras do Mandarim.

Logo a seguir, O Teu Rosto Será o Último, de Luís Filipe Rocha, com Vincent Wallenstei­n e Nuno Antunes, a história de um menino-prodígio do piano. É inspirado no romance Prémio Leya de João Ricardo Preto. As primeiras imagens prometem bom cinema...

Por fim, junho será ainda o mês de Arrabalde,deFrederic­oSerpa,filmejá há muito anos rodado e que pode ser uma investida experiment­al apenas para quem tem coragem de filmes low cost e cheios de pretensões arty...

Hardy, Glen Powell e Austin Butler

E já que se está a mencionar adiamentos, da Universal chegará também The Bikeriders, de Jeff Nichols, cineasta indie que tinha filmado esta história de motoqueiro­s americanos para a Disney. O filme terá falhado a entrada no calendário de prémios, mas esta reunião entre Tom Hardy e Austin Butler ainda é dos filmes americanos mais ansiados deste trimestre.

Tal como Assassino Profission­al – Richard Linklater –, comédia que poderá dar a Glen Powell estatuto de estrela global, ele que aqui é um mestre de disfarces para caçar pessoas que contratam assassinos profission­ais. A Netflix comprou-o em

Veneza, mas o filme já estava negociado para uma série de distribuid­ores internacio­nais – teve bom olho a NOS Audiovisua­is. Linklater realiza uma obra com ritmos perfeitos e uma noção de descontraç­ão total... Chega no final de maio.

E atenção que no mês seguinte há mais Powell em Tornados, do respeitado Lee Isaac Chung, um spin-offde Twister, filme catástrofe de Jan de Bont que marcou os Anos 1990. Com o que se passou recentemen­te no Montijo, este título tem potencial...

Bellochio vs Guadagnino

Impossível ainda de não salivar em maio por Furiosa: Uma Saga Mad Max, de George Miller, já com o selo de Cannes 2024, uma prequela do último Mad Max, desta vez com a personagem careca de Charlize Theron na juventude e com a atriz Anya Taylor-Joy. Pelas primeiras amostras, sente-se que Miller vai pelo mesmo rumo do filme anterior, algo que pode provocar alguma falta de novidade. Seja como for, é bem provável que seja o melhor blockbuste­r desta primavera.

Quem pode vir a receber o título de melhor filme de todo este menu é Marco Bellochio, autor de O Rapto, um dos maiores de Cannes 2023. A história real de um menino judeu raptado da sua família pelos católicos na Itália de 1835. Foi um dos casos que assombrou a fé cristã durante anos. Bellochio faz uma parábola perturbant­e sobre o pecado da Igreja. Um filme muito pouco católico...

Chega já a 18 de abril, mas uma semana depois outro cineasta italiano tem um filme bem apetecível Challenger­s. Trata-se de Luca Guadagnino, a filmar para aWarner, a fazer um conto de sexo em grupo... Tem Zendaya como protagonis­ta e dois dos atores internacio­nais mais excitantes do momento: Mike Feist e Josh O’Connor, este último a estrela de A Quimera, de Alice Rohrwacher, outro dos bons filmes da temporada, estreia com curadoria da Midas Filmes, prevista para 6 de junho.

Do cinema francês chegará um filme em estado de graça, escolhido por França (contra Anatomia de Uma Queda) para representa­r o país nos Óscares: O Sabor da Vida, de Tran Anh Hung, com Juliette Binoche e Benoît Magimnel, Prémio de Realização em Cannes. Obra que nos mostra uma história de amor entre um mestre gourmet e a sua cozinheira.

Um filme zen para nos reconcilia­r com a...vida. Não é apenas um foodie movie... Estreia-se a 16 de maio, sendo que na semana seguinte há um grande, grande show de uma atriz superior,Virgine Efira em Nada a Perder, de Delphine Deloget, sensação no Un Certain Regard de Cannes, história sobre a odisseia de uma mãe solteira.

Ainda de França, abrir alas a 1 de maio para Rosalie, de Stéphanie DiGiusto, drama centrado numa mulher de barba que se casa com um solitário tasqueiro de bom coração. Tem um Benoît Magimel superlativ­o e uma sublime Nadia Tereszkewi­cz.

Do cinema francês chegará um filme em estado de graça, escolhido por França (contra Anatomia de Uma Queda) para representa­r o país nos Óscares: O Sabor da Vida, de Tran Anh Hung, com Juliette Binoche e Benoît Magimnel. Em maio está previsto oregressod­eJorgePaix­ão da Costa, ultimament­e preso à ficção televisiva,

com Cândido – O Espião Que Veio do Futebol, a história de Cândido Oliveira, antigo selecionad­or nacional que foi espião para os Aliados durante a Segunda Guerra Mundial.

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Bikeriders, de Jeff Nichols.
Guerra Civil, de Alex Garland. Bikeriders, de Jeff Nichols.
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Rosalie estreia a 1 de maio.
O Sabor da Vida, com Juliette Binoche.
Quiet Place é Um Lugar Silencioso – Dia 1. Rosalie estreia a 1 de maio. O Sabor da Vida, com Juliette Binoche.

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