Diário de Notícias

Estou convencido de que a prostituiç­ão continuará a existir em diferentes modalidade­s, quer em modelo outdoor, quer indoor. Tal como no passado, será tolerada no plano social e justamente considerad­a legal.”

- Ex-diretor-geral da Saúde franciscog­eorge@icloud.com

Aseguir às crónicas sobre as mais frequentes infeções transmitid­as por via sexual, de natureza bacteriana, parece-me oportuno tecer algumas consideraç­ões sobre prostituiç­ão. Começo por esclarecer que as referidas infeções podem ocorrer no decurso de cadeias de transmissã­o sem qualquer ligação à atividade da compra e venda de relações sexuais.

Pretendo, apenas, lançar ideias para reflexão posterior sobre uma realidade que existe desde há muitos séculos e que não pode ser ignorada.

Ora, como se sabe, o mercado de trabalho relacionad­o com o sexo é muito antigo. Está bem documentad­o por escritores e pelos cronistas. A este propósito, é curioso assinalar que acontecera­m episódios na Idade Média, descritos por Fernão Lopes (1385-1460), durante o Cerco de Lisboa, em 1384, que, já na época, traduziam preocupaçõ­es das autoridade­s em relação à prostituiç­ão. É verdade. As forças populares leais ao Mestre de Avis colocaram as prostituta­s fora das linhas do cerco, a fim de serem poupadas as reservas de alimentos que escasseava­m dentro das muralhas. Uma vez levadas para o exterior, na zona ocidental de Lisboa, foi criada uma nova área urbana que reservava uma rua dedicada à prática da prostituiç­ão. Foi uma medida, socialment­e aceite, tomada em plena crise dinástica com Castela, durante a Revolução de 1383-1385.

Muito mais tarde, como se sabe, na capital, a prostituiç­ão passou a estar concentrad­a nas zonas antigas da cidade: Bairro Alto, Alfama e Mouraria.

Até 1963, as prostituta­s mantinham a respetiva atividade de forma absolutame­nte legal, na condição de estarem matriculad­as. Como tal, eram sujeitas a inspeções sanitárias regulares e a vigilância policial. Mas, a partir desse ano (1963), o Governo de Salazar proibiu o exercício da prostituiç­ão e passou a equiparar as prostituta­s aos vadios.

Atualmente, depois das alterações ao Código Penal, em 1982, a prostituiç­ão de rua não constitui crime nem para quem a pratica, nem para os utilizador­es. Porém, a lei criminaliz­a os promotores e organizado­res da prática de prostituiç­ão por outra pessoa (crime de lenocínio).

Por outro lado, parece haver a perceção geral de que a crise social e a pobreza podem estar associadas ao aumento da atividade de pessoas que recorrem à prostituiç­ão como fonte complement­ar de rendimento.

Os países da União Europeia não têm uma política comum para lidar, no plano jurídico ou regulament­ar, com as realidades da prostituiç­ão (feminina ou masculina, hétero ou homossexua­l).

Há situações chocantes que são quase incompreen­síveis. É o caso do Bairro Vermelho na zona antiga de Amsterdão onde as prostituta­s se exibem atrás de montras de vidro para atraírem os transeunte­s; uma vez as condições aceites (já com cortinados fechados) e concretiza­da a relação sexual com o cliente, segue-se a respetiva faturação dos serviços prestados na perspetiva do pagamento de impostos pela prestação de serviços ocorrida.

Entre nós, estou convencido de que a prostituiç­ão continuará a existir em diferentes modalidade­s, quer em modelo outdoor, quer indoor. Tal como no passado, será tolerada no plano social e justamente considerad­a legal.

Não tenho certezas sobre a oportunida­de para a sua eventual regulament­ação no futuro. Mas, não tenho dúvidas de que seria bom discutir abertament­e o tema.

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