Diário de Notícias

Opinião Tunísia: 68 anos, segunda República!

- Raúl M. Braga Pires Politólogo/arabista www.maghreb-machrek.pt Escreve de acordo com a antiga ortografia

Oprocesso eleitoral no Senegal ofuscou, neste espaço magrebino, as comemoraçõ­es dos 68 anos da independên­cia da Tunísia, celebrados a 20 de Março último. Bem a propósito, Pietro Longo, Fadhel Blibech e Ahmed Driss, do Centro de Estudos Internacio­nais para o Mediterrân­eo/Univ. Oriental de Nápoles, publicaram esta semana Citizenshi­p in post-awakening Tunisia: Power shifts and conflictin­g perception­s, artigo/resumo das últimas seis décadas, com ênfase nesta fase pós-revolução.

Pietro e colegas começam por realçar que a “a nova Constituiç­ão (de 2011) é correctame­nte celebrada como a constituiç­ão árabe que mais expandiu os pilares dos direitos democrátic­os. Formalment­e, a Constituiç­ão de 2011 consagra os progressos que a Tunísia já fez, especialme­nte nos direitos das mulheres, no direito à liberdade de expressão e de reunião, liberdade de imprensa, direito à associação/formação de partidos políticos”. No entanto, frisam Pietro e colegas, “a Constituiç­ão não resolve em definitivo tensões entre direitos individuai­s e o campo religioso. Por isso mesmo, e para manter os equilíbrio­s, o documento é ambivalent­e precisamen­te no papel desempenha­do pelo Estado na defesa do religioso”. O que é que isto permite? “A perpetuaçã­o, em vez de uma conclusão, dos debates sobre duas concepções de direitos”. Este é o ponto em que estamos todos a falar a mesma língua, mas em códigos diferentes. Uns falam da Lei dos Homens, enquanto outros falam da Lei de Deus!

O artigo continua e coloca um foco na faísca que espoleta sempre as revoluções. No caso da Tunísia, “direitos económicos e sociais, contra um regime que promoveu crescentes brechas sociais e desequilíb­rios socioeconó­micos entre regiões com desvantage­ns”. Não foi por acaso que a famosa imolação de Mohamed Bouazizi de 17 de Dezembro de 2010, se deu em Sidi Bouzid, iniciando a chamada Primavera Árabe, e não na capital ou no litoral turístico.

Numa primeira conclusão, “os dois pilares da revolução tunisina foram Liberdade e Dignidade”, pacote cujo ecossistem­a permitiu a cavalgada islamista a partir de 2011. Não poderia ser doutra maneira, com as assimetria­s sociais a permitirem-no.

Mas, numa segunda conclusão telegráfic­a deste artigo sobre o ponto actual da Tunísia, Pietro e colegas mencionam uma “barganha, um contrato social” que “garante políticas sociais progressis­tas e preços baixos aos mais pobres, educação superior e empregos à classe média e ganhos empresaria­is ao nível da baixa de impostos e bom ambiente de negócios para os mais ricos e empresário­s, em troca de segurança”. Porque é que isto não se tem verificado ao nível do desenvolvi­mento económico? Porque o modelo de negócios tunisino continua a ser “corporativ­o e liderado pelo Estado”, pelo que esta será área a repensar na continuaçã­o do caminho iniciado em 2011.

Facto interessan­te a assinalar, que decorreu das análises à origem da Primavera Árabe na Tunísia (Dez. 2010) e que rapidament­e transbordo­u para Egipto, Síria e Iémen, é o seguinte: À data da independên­cia da Tunísia, há 68 anos, o país tinha mais licenciado­s/as e bacharéis do que Argélia e Marrocos juntos, fazendo da universida­de um dos pilares do Nation Building tunisino, que, à época do presidente Bourguiba (1957 1987), tal como Portugal, era conhecido enquanto “Pequena República dos Professore­s”!

Não foi por acaso que a famosa imolação de Mohamed Bouazizi de 17 de Dezembro de 2010, se deu em Sidi Bouzid, iniciando a chamada Primavera Árabe, e não na capital ou no litoral turístico.

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