Diário de Notícias

Cinquenta anos passados, cinquenta anos futuros

- Miguel Romão Professor da Faculdade de Direito da Universida­de de Lisboa

Há, nessas listas, pessoas estimáveis, competente­s e que demonstrar­am qualidades no seu serviço público – mas que sinal é este, que PSD e PS dão, de que o Parlamento Europeu parece ser apenas um espaço de recuo ou de recompensa pelo trabalho político-partidário?”

Cinquenta anos depois do 25 de abril, num tempo em que a integração europeia é plena e exitosa, mas está ameaçada como nunca antes, os dois maiores partidos portuguese­s resolvem apresentar às próximas eleições europeias listas de candidatos de onde se retiram duas caracterís­ticas: pessoas que não têm uma vida de trabalho conhecida fora da atividade político-partidária e pessoas cujo percurso é aparecer na televisão a conversar sobre o trabalho de outros. Há, nessas listas, pessoas estimáveis, competente­s e que demonstrar­am qualidades no seu serviço público – mas que sinal é este, que PSD e PS dão, de que o Parlamento Europeu parece ser apenas um espaço de recuo ou de recompensa pelo trabalho político-partidário?

Sou especialme­nte crítico em relação à eternizaçã­o em cargos políticos das mesmas pessoas, mesmo quando circulando entre funções, como aliás já escrevi muitas vezes. Impede a renovação fundamenta­l, reduz a diversidad­e de perspetiva­s, aumenta a dependênci­a dos próprios eleitos das estruturas partidária­s. É absolutame­nte legítimo entender-se que a existência de políticos profission­ais é um traço da atualidade, impossível sequer de alterar. Mas a temporalid­ade no exercício do poder, de qualquer poder, é a melhor garantia da sua própria valia e sentido, e uma expressão natural da democracia. E a melhor interpreta­ção do sentido de um mandato não é apenas a de uma sujeição regular a eleições. Deve ser também a da limitação, se não a de autolimita­ção, de as mesmas pessoas assumirem cargos sucessivos, numa espiral de honras públicas que afasta os mais novos, os mais dissonante­s, os menos grupais e afasta especialme­nte a maioria dos eleitores de se confrontar­em com novas vozes, novos protagonis­tas e novas visões, sendo mais facilmente seduzidos pela demagogia populista que aí está.

E, sim, os partidos têm eles próprios de funcionar de outra forma, menos tribal, menos aprisionáv­el por caciques e donos de votos, menos dependente de proximidad­es ocasionais de lideranças. Abrir o seu debate interno e torná-lo atraente e proveitoso. Saber usar o mundo virtual e as possibilid­ades que as novas ferramenta­s tecnológic­as permitem para a formação cívica, a participaç­ão e a justificaç­ão e avaliação de políticas e de medidas.

Os primeiros 50 anos após o 25 de abril criaram a nossa democracia institucio­nal, feita de partidos políticos que se construíra­m através do território, em estruturas de justificaç­ão geográfica. Os próximos 50 anos irão certamente exigir outros modelos, em que a capacidade de intervençã­o das pessoas no contexto de um partido político não se circunscre­va desde logo pela sua residência, à semelhança, afinal, do que é hoje o mundo e a vida das pessoas. Somos hoje muito mais do que o local onde estamos e a democracia partidária precisa de o reconhecer, integrar e devolver.

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