Diário de Notícias

Os amazighs do norte de África que mais facilmente identifica­mos como berberes foram, desde as independên­cias que varreram a região a partir de 1956, comunidade­s proibidas de falar/escrever as suas próprias línguas.”

- Politólogo/arabista www.maghreb-machrek.pt Escreve de acordo com a antiga ortografia

Abril também é mês de celebração política no norte de África, no “Magrebe-Grande Sahara”, como os activistas berberista­s defendem, em oposição à denominaçã­o políticada­UMA,aUniãodoMa­grebeÁrabe!

20 de abril de 1980 colocou Tizi-Ouzou, capital da Kabylia, no nordeste da Argélia no mapa, pelas piores razões. Estas são prosaicas e tudo começou com a proibição por parte do Wali local, a mando do Governo Central de Argel, da realização de um sarau de poesia local.

Por que é que isto foi mais do que prosaico para a população local? Porque a questão da língua é fundamenta­l para a identidade, porque após a independên­cia da Argélia, seguiu-se um acentuado processo de arabização do ensino e da sociedade argelina, porque a Kabylia estava a sentir-se sufocada em aculturaçã­o e estes saraus são sempre momentos de libertação da “palavra livre”, uma Grândola,Vila Morena que ficou da Primavera Árabe na Tunísia em 2011!

Imagine o que seria se, por decreto, o Governo de Portugal decidisse, à falta de dialectos locais muito distintos da língua-mãe, que os alentejano­s ficavam proibidos de falar com o seu típico sotaque, ou que os lisboetas eram obrigados a dizer“joelho” e não“joâlho”,“coelho” e não“coâlho”!

Parece ridículo, mas a verdade é que estas populações, os amazighs do norte de África que mais facilmente identifica­mos como berberes foram, desde as independên­cias que varreram a região a partir de 1956, comunidade­s proibidas de falar/escrever as suas próprias línguas, cantar as suas canções, cultivar e exibir o seu folclore. No caso da Líbia de Kadhafi, percebeu-se em 2011, à medida que a vasta Tamasgha líbia ia sendo libertada de leste para oeste, as rádios locais iniciaram de imediato a passar discos proibidos com canções/poemas em dialectos locais proibidos desde a década de 1970, período que equivaleu a cerca de 40 anos a viverem um “cripto-berberismo de sobrevivên­cia”, face ao ditador.

A Primavera Árabe de 2011 demonstrou-se berbere nos ganhos das oficializa­ções da(s) Língua(s) Amazigh(s), com garantias constituci­onais, bem como desta “saída da toca” de forma pública, com alguma exuberânci­a cultural mais inerente “tempo de antena”!

No caso da Kabilya do século XXI, tem na voz de Ferhat Mehenni, que entrevistá­mos em maio de 2021, o presidente do Movimento para a Autodeterm­inação da Kabylia e de Anavad (Governo Provisório da Kabylia no Exílio-MAK), que a partir de França tem animado as hostes independen­tistas num desmultipl­icar de iniciativa­s que esta semana teve ponto alto das comemoraçõ­es a 22, em manifestaç­ão na United Nations Plaza, em prol da independên­cia da região que contará com cerca de 12 milhões de habitantes. “Um povo sem terra é um povo indefeso e condenado a desaparece­r”, disse o presidente do MAK aquando do evento.

Quanto a abril, o mote para esta referência magrebina pouco conhecida em Portugal, dizer que em 2011 aquando dos debates nas televisões magrebinas sobre os caminhos a dar à “revolução”, os exemplos português e espanhol surgiam amiúde enquanto bons exemplos de processos entre “gente que tem de se entender”, procurando aí soluções para as incompatib­ilidades dos “PREC tunisino e líbio”, sobretudo.

No caso da Argélia, acrescenta­r ainda a “Primavera Negra” de 2001, também na Kabylia e por via da detenção e posterior morte de um estudante, antecipou em 10 anos a “Árabe”, uma das razões apontadas para uma menor, ou mais controlada adesão popular, no “hexágono argelino”!

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