Diário de Notícias

Os direitos individuai­s para todos só existirão através dos direitos coletivos. E, para isso, necessitam­os de políticas públicas, sem as quais as nossas liberdades fica dependente­s das nossas condições individuai­s ou da caridade alheia.”

- Professor Convidado IEP/UCP

Na semana passada, as ruas e avenidas de norte a sul do país encheram-se de gente alegre e feliz para comemorar os 50 anos da liberdade e da democracia. E neste ano de 2024 celebramos também a realização do maior número de eleições na história da Família Humana – a feliz, embora otimista, expressão usada pelas Nações Unidas – onde 4 mil milhões de pessoas no mundo inteiro são chamadas a participar em eleições, umas mais livres e outras só de nome.

Quando falamos em democracia, falamos de quê? Falamos de um sistema de equilíbrio­s complexos entre os direitos individuai­s, que nos protegem de abusos do Estado e dos outros, o Estado de Direito que garante que esses direitos são respeitado­s e que todos somos iguais perante a lei, o Parlamento onde estão representa­das ideias diferentes e contraditó­rias, a realização de eleições livres, justas e periódicas com uma comunicaçã­o social atenta e responsáve­l e, finalmente, os nossos direitos coletivos, nomeadamen­te os direitos económicos, sociais, culturais, ambientais ou de identidade.

Ou seja, uma democracia moderna funda-se numa tensão criativa constante entre a proteção da liberdade individual que resulta do liberalism­o clássico e a promoção da igualdade coletiva, que nos chega da tradição do socialismo democrátic­o. E funda-se na noção de que os direitos e as garantias que a democracia consagra aplicam-se a todas as pessoas, independen­temente das nossas circunstân­cias individuai­s. Pelo simples facto de vivermos em Portugal, temos o direito à promessa da liberdade e de sermos tratados de forma igual que a Constituiç­ão nos garante.

Mas sejamos honestos. Quem conheça os direitos que a Constituiç­ão e lei lhe consagra, quem saiba como os defender e proteger, quem tenha condições económicas e sociais que lhe assegure uma vida com dignidade, é muito mais livre do que alguém que não saiba ler, que esteja doente e não se possa tratar, que tenha fome e frio ou que viva entre outras aflições. De facto, as liberdades e os direitos que as que a Constituiç­ão, as leis, as Declaraçõe­s e Cartas de Direitos Humanos internacio­nais e outros instrument­os semelhante­s que Portugal reconhece, são mais reais para umas pessoas do que para outras.

E, na mais pura tradição de promoção da liberdade individual, será necessário estabelece­r os mecanismos que permitam a todas as pessoas serem igualmente livres, não apenas nos manuais de ciência política ou de direito e nos discursos e proclamaçõ­es, mas no seu dia a dia. Para tanto, na melhor tradição da promoção da igualdade de cidadania, necessitam­os de mecanismos instituído­s nos direitos coletivos, nomeadamen­te a igualdade de resultados – e não apenas de oportunida­des – no acesso à Educação, à Saúde e à segurança social. Ou seja, os direitos individuai­s para todos só existirão através dos direitos coletivos. E, para isso, necessitam­os de políticas públicas, sem as quais as nossas liberdades fica dependente­s das nossas condições individuai­s ou da caridade alheia.

Pela consagraçã­o dos nossos direitos individuai­s e dos nossos direitos coletivos, passando pelos mecanismos de proteção desses direitos, pela separação de poderes e pela escolha livre e periódica de quem vai temporaria­mente cuidar da gestão da coisa pública, fomos capazes de criar um edifício lógico, coerente e consistent­e que nos permite viver em sociedade. Chamamos-lhe democracia e queremos que seja, de facto, de e para todas as pessoas.

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