Diário de Notícias

Riccardo Scamarcio “Trabalhei com os melhores, mas ainda não apanhei uma obra-prima!”

Por ocasião da Festa do Cinema Italiano, Riccardo Scamarcio, uma das maiores estrelas atuais do cinema europeu, esteve em Lisboa e falou ao DN. O pretexto foi A Sombra de Caravaggio, a biografia do tumultuoso pintor italiano, em estreia esta semana. O ato

- TEXTO RUI PEDRO TENDINHA

Éum dos mais ativos e recorrente­s atores do cinema italiano. Riccardo Scamarcio tem carisma e é suficiente­mente moldável para estar sempre em plano de evidência. Alia um olhar de matador a uma raça muito latina. Por estes dias parece estar com uma maturidade notável, talvez por isso esteja muito requisitad­o no cinema internacio­nal, em particular em Holly- wood – vimo-lo recentemen­te em Mistério em Veneza, de Kenneth Branagh e, não há muito, na saga John Wick como vilão competente.

Na sua filmografi­a percebe-se que alguns dos grandes cineastas fazem questão de o chamar: de Nanni Moretti a Woody Allen passando por Paolo Sorrentino, mas também está disponível para produtos mais comerciais, como Corrida para a Vitória, de Stefano Mordini, por sinal já nos cinemas nacionais a partir da próxima semana – uma odisseia sobre uma famosa disputa no Campeonato de Ralis entre a Lancia e a Audi.

Em Lisboa, durante a Festa do Cinema Italiano, Scamarcio quis sobretudo falar de A Sombra de Caravaggio, de Michele Placido, a história do mítico pintor italiano. Percebe-se

nesta conversa que é um artista ambicioso e com o tal olhar de perigo – perfeito para o próximo pintor que lhe caiu em sorte em Modi,o biopic de Modigliani, realizado por Johnny Depp, com estreia prevista para depois do verão.

Certos papéis mudam a vida de um ator. Será que o peso e a responsabi­lidade de interpreta­r Caravaggio mudou algo em si? Digamos que foi intenso, mas não quero afirmar que há um antes e um depois deste filme. Mas o Michele Placido, quando me abordou para este papel, foi algo ameaçador: “queres mesmo fazer este filme? Percebes o que estou a tentar fazer?!” Mais do que tudo, para ele, filmar esta história era falar destes dias atuais da cultura do cancelamen­to. Compreendi que queria mesmo ter a certeza de que eu tinha ganas de me atirar a este papel. A Sombra de Caravaggio é um discurso pessoal e político do Michele Placido face ao que já vimos: uma série de atores a serem destruídos publicamen­te devido a essa política do cancelamen­to e, depois, a Justiça, a inocentá-los... Basta pensar em Johnny Depp, Woody Allen ou Kevin Spacey. E

claro que disse logo que sim! Qual o ator que não ser o Caravaggio!? Às vezes há que ter a disponibil­idade emocional para personific­ar alguém tão intenso. Sim, ele era muito intenso. Um homem cheio de energia e paixão. Por outro lado, não foi assim tão difícil para mim, porque essa atitude caótica perante o trabalho é algo que eu conheço. Mas foi um papel puxado, com tanto movimento, pintura e cenas de espadachim.

Além do mais, sempre com esse tom de alucinado. O Caravaggio também se drogava! Aliás, a toda a hora: o homem metia tudo o que podia. Ele até snifava um dos materiais que usava para limpar as tintas.

Este seu Caravaggio parece ser um homem entre a divindade e o inferno.

Sim, ele era incrível! Um homem muito culto e especializ­ado nos temas do Evangelho. Ele conhecia de cor a Bíblia por ter estudado num seminário. Mas depois foi cancelado pela Igreja Católica durante 250 anos!

Tem um impression­ante registo na sua filmografi­a. Fica-se com a sensação de que não para nunca de filmar. Ao fim de tantos filmes o que o faz mover? Como é que mantém a paixão de estar num

plateau?

Porque adoro representa­r. Será que é um vício?

“Não foi assim tão difícil para mim, porque essa atitude caótica perante o trabalho é algo que eu conheço. Mas foi um papel puxado, com tanto movimento, pintura e cenas de espadachim.”

Não o será, porque também adoro a vida para além das filmagens. Adoro relaxar, não sou um workaholic. Não sei, a verdade é que gosto da dinâmica dos locais de filmagens e, como ator protagonis­ta, adoro fazer com que a equipa não perca o ritmo. Quando os protagonis­tas agem de forma demasiado séria, o ambiente num plateau fica pesado, mas com isso não estou a criticar ninguém. Para mim, é importante que haja diversão no trabalho. Nas festas, nos fins de rodagem não sou o tipo que gosta de dançar, sou antes aquele que mete música. Enfim, gosto de organizar a diversão. Num plateau represento dois papéis: o da personagem e o da estrela de cinema que entretém a equipa. Conto anedotas, interajo e isso é fundamenta­l: eles são o meu primeiro público. Dessa forma, todos estão focados em cada cena. Quando se ouve a palavra “ação” isso é sagrado! Agora, desde que mudámos da película para o digital, às vezes parece que se perde essa noção do sagrado, pensa-se sempre que dá para fazer mais um outro take. Se não levarmos isso para o sagrado, tudo isto perde peso e parece que estamos antes a fazer audiovisua­l ou séries. Isso não é cinema. Pelo amor de Deus, o cinema é uma arte do protótipo.

Tem trabalhado com grandes cineastas. Há uma sensação, para si, de fazer uma espécie de coleção?

Sim, trabalhei com os melhores, mas ainda não apanhei uma obra-prima! Já fiz um par de papéis que me deixam orgulhoso, mas falta-me um filme que, em si, seja uma obra-prima.

E anda atrás dessa obra-prima? Ando, ando, quem sabe um dia eu consiga!? Isto do cinema nunca se sabe – muitas vezes pensamos ter feito algo sensaciona­l e, depois, vemos o filme e percebemos tratar-se de um desastre. Também já me aconteceu estar a fazer um filme que julgava penoso e depois, vai-se a ver, e saiu algo incrível!

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plateaux. Scamarcio, um ator que adora respirar o cheiro dos

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