E depois da festa (Carta do Luxemburgo)
No atual contexto europeu, uma vitória ou um importante reforço da extrema-direita no Parlamento Europeu representaria uma ameaça a todas as nossas liberdades.”
Que la vie est lente
Et comme l’espérance est violente
Apollinaire
Por muitas terras onde viaje e por muitos poemas e poetas que venha a encontrar, o meu (o nosso) desgosto de não termos estado na manifestação grandiosa de gente e de alegria do 25 de Abril em Lisboa (sem desmerecer o Porto) é profundamente sentido.
É para todos evidente que a participação sem precedentes nesta manifestação teve um claro sentido político. Não queremos voltar atrás, disseram milhares de portugueses, ao descer a Avenida da Liberdade, não queremos voltar ao nacionalismo autoritário de sacristia que este país viveu tempo demais.
Aqui no Luxemburgo (onde o Chega, ai, ficou em primeiro lugar nos votos da nossa comunidade nas legislativas), abriu no Museu Nacional uma notável exposição sobre o 25 de Abril e a sua incidência na vida dos portugueses que enchem este pequeno e afortunado país. A exposição, rigorosamente concebida e estruturada, mostra a evolução dos acontecimentos em Portugal em paralelo com os seus ecos no Luxemburgo. Aqui, onde os portugueses representam 14% da população, esta iniciativa tem um significado especial.
No lançamento, em que também estive, graças à incansável equipa do Camões no Luxemburgo, de uma antologia de contos escritos por autores da diáspora, pude medir a diferença cultural entre as comunidades portuguesas de hoje e as de um passado ainda próximo. A ligação a Portugal faz-se hoje com muito mais facilidade e transparência, e isso tanto nos pode dar surpresas negativas, tal a votação no Chega, como agradáveis e estimulantes descobertas, como a destes autores da diáspora, cuja antologia de contos tive o gosto de prefaciar.
A exposição do Museu Nacional e a data do 25 de Abril foram evocadas no Printemps Poétique do Luxemburgo, reunião de poetas europeus para leituras de poemas e intercâmbio de experiências, em que participei. Foi impressionante ouvir o relato pela húngara Krisztina Toth da perseguição que sofreu e das ameaças que recebeu por ter ousado pôr em causa o nacionalismo estreito e autoritário e o rígido conservadorismo moral que dominam hoje a Hungria. Sim, a democracia e a liberdade são bens sempre em perigo e só nós os poderemos defender.
E, no atual contexto europeu, uma vitória ou um importante reforço da extrema-direita no Parlamento Europeu representaria uma ameaça a todas as nossas liberdades, em favor de uma democracia esvaziada, crismada de “iliberal” ou de outra coisa qualquer, de que o testemunho da poeta húngara mostrou bem o significado. Nós estamos na União Europeia e as decisões tomadas a este nível (que passam pelo Parlamento Europeu) são determinantes para as nossas políticas públicas e para as nossas opções. Assim possa, entre nós, junho repetir abril!
Aproxima-se o dia do regresso deste cronista à pátria. A próxima crónica não será já uma carta de um estrangeirado. Ver na televisão as grandiosas manifestações de Abril deu-me alegria e fez-me sentir onde era o meu lugar. Mas esta viagem fez-me também entender que o nosso lugar e o terreno de luta onde se joga o nosso destino está também nesta Europa, ameaçada pelo retorno das direitas extremas.
Viajar no nosso continente é também aprender a olhar de fora para o nosso país e poder pesá-lo nessa “balança da Europa”, de que já falava Garrett. Não estamos sós, nem orgulhosamente, nem miseravelmente, como outrora. Não estamos sós, para o bem e para o mal.
O nosso futuro define-se agora. Depois da festa.