Litigância reduz para 9,6 milhões lucro a entregar pela Anacom ao Estado
Em 2023, o regulador mais do que duplicou as provisões para processos judiciais. Resultado líquido caiu 78% e valor a entrar nos cofres públicos ficará longe dos 44 milhões de há um ano.
Depois de ter registado um resultado líquido recorde em 2022, a Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom) apresentou, no ano passado, uma quebra de 78% nos lucros, que somaram 10,8 milhões de euros, de acordo com o relatório e contas do regulador das comunicações, divulgado ontem. A Anacom propõe entregar ao Estado apenas 9,6 milhões de euros, quase cinco vezes menos do que o valor proposto há um ano, de 44,2 milhões de euros.
De acordo com o documento, o tombo nas contas da entidade está “relacionado essencialmente com o aumento dos gastos com provisões e juros indemnizatórios de processos judiciais em curso”.
“Com base nas ocorrências verificadas durante o ano de 2023”, refere a Anacom, “o valor da provisão acumulada para processos judiciais em curso” foi atualizado para 46 milhões de euros. No final de 2022, as provisões constituídas totalizavam 18,1 milhões de euros. Ou seja, em 2023, fruto da litigância com as empresas do setor, o regulador mais do que duplicou as provisões.
A Anacom foi presidida por João Cadete de Matos até à primeira quinzena de dezembro de 2023. O mandato de seis anos de Cadete de Matos ficou marcado por sucessivas polémicas, sobretudo, com as empresas de telecomunicações, por causa dos períodos de fidelização dos pacotes de serviços, bem como pela condução do leilão do 5G e, ainda, pelas taxas regulatórias cobradas (cujo valor aumenta em caso de litigância, refira-se). Nos últimos seis anos, sobretudo da parte dos operadores históricos das comunicações eletrónicas, deram entrada nos tribunais dezenas de processos a contestar decisões da Anacom.
A nova presidente, Sandra Maximiano, que lidera o regulador desde a segunda metade de dezembro, propõe, com base no resultado líquido apresentado ontem, depositar diretamente nos cofres do Estado 9,6 milhões de euros. Pede ainda que 1,1 milhões de euros fiquem com o regulador para “reservas de investimento”, sob a forma de capital estatutário.
À parte do resultado líquido, os receitas da Anacom em 2023 subiram 2%, para 119,5 milhões de euros, ao passo que os gastos – onde se inclui as referidas provisões – dispararam 61%, para 108,7 milhões de euros.
As diferentes taxas regulatórias cobradas às telecom ascenderam a 115,2 milhões de euros, mais 2% em termos homólogos. Este valor inclui, concretamente, taxas anuais de atividade, que aumentaram 7%, para 42,2 milhões de euros. Do lado do setor postal, as taxas anuais sobre a atividade também subiram 7%, para 2,7 milhões de euros. Acrescem as coimas liquidadas, que aumentaram 62% no último ano, para 1,1 milhões de euros.
A subida dos rendimentos oriundos das taxas regulatórias, contudo, não compensaram o aumento dos gastos da Anacom. O reforço das provisões foi o principal fator de crescimento dos custos do regulador – 6,6 milhões de euros destinaram-se a novas impugnações de taxas de regulação; 26,2 milhões foram para impugnações de taxas de regulação de anos anteriores; e 13,2 milhões foram aprovisionados para juros indemnizatórios, devido a “processos de impugnação relativos a taxas administrativas de regulação que se encontram em apreciação no Tribunal Constitucional”.
A Anacom nota que o crescimento das provisões tem-se verificado todos os anos, desde 2017. E justifica essa evolução “não só pelo surgimento de novos processos de impugnação de taxas, como pelo reforço da cobertura dos processos de anos anteriores, na medida em que decorreu mais de um ano desde a data de impugnação e a provisão reforçou-se em mais 25%, até perfazer os 100% de cobertura ao final de quatro anos, nos termos da política de provisões da Anacom”.