Diário de Notícias

Tiago Oliveira “Realidade no mundo do trabalho está a ser construída de forma a dificultar a organizaçã­o dos trabalhado­res”

Secretário-geral da CGTP avisa o Governo da AD que, naquilo que considerar­em negativo para os trabalhado­res, “como sempre fizemos até hoje – no acordo de rendimento­s e em outras matérias –, a CGTP irá ficar de fora desses acordos”.

- ENTREVISTA BRUNO CONTREIRAS MATEUS E NUNO DOMINGUES (TSF)

Para o secretário-geral da CGTP “encontrar algo positivo [no Programa do Governo] é muito difícil”. Tiago Oliveira avança que uma das primeiras iniciativa­s deste Governo foi reunir-se com a Confederaç­ão da Indústria Portuguesa e que isso “demonstra a quem é que o Governo responde e para quem é que construiu o programa de ação do Governo”.

Nestes 50 anos do maior 1º de Maio em liberdade, há uma dúvida se deve ou não o Governo mexer nas leis laborais. A intenção está inscrita no Programa do Governo e um dos patrões, o do Turismo, já sinalizou essa vontade. Pergunto-lhe, Tiago Oliveira, se já falou com a ministra do Trabalho sobre o tema? Excelente pergunta para começar a nossa conversa, porque toca aqui logo num ponto fundamenta­l. É bom darmos conhecimen­to de que uma das primeiras iniciativa­s deste Governo foi reunir-se com a Confederaç­ão da Indústria Portuguesa para, a partir daí, começar logo a discutir propostas de alteração àquilo que é a legislação laboral. Isto dá logo para percebermo­s qual é a dimensão daquilo que está em causa, quem é que está a ser ouvido, escutado, para avançar com essas alterações e, até hoje, a CGTP não foi ouvida em processo nenhum. É óbvio o que está em curso, e basta olhar para o Programa do Governo para a gente perceber o que é que, de tão negativo, está no programa que vai incidir sobre os trabalhado­res. Masissofor­amcontacto­sdo Ministério­daEconomia­comas Confederaç­õesPatrona­is,certo? Não, não. Da Ministra do Trabalho, no sentido de começar já a perceber o guião futuro. Eissosigni­ficaoquê?Que,àpartida, jáestádepé­atrás?

Não estamos de pé atrás por causa dessa reunião. Acho que essa reunião, aquilo que tem, é que demonstra a quem é que o Governo responde e para quem é que construiu o programa de ação do Governo. Quer dizer que é para os patrões, é isso?

Quero dizer que aquilo que consta no Programa do Governo, no que diz respeito diretament­e aos trabalhado­res, coloca sempre a tónica desses avanços na questão da produtivid­ade, do alcance da produtivid­ade, do aumento de produtivid­ade para responder aos problemas e aos anseios das empresas. Está vertido em todo o Programa. Por isso, nós não estamos de pé atrás. O que a gente fez, e bem, foi uma análise daquilo que são as propostas do Governo, do PSD e do CDS, no que diz respeito a estes próximos quatro anos.

E não há lá nada em favor dos trabalhado­res?

Posso colocar aqui toda a análise que a CGTP fez. Encontrar algo positivo é muito difícil. Muito difícil. E vou dar aqui um exemplo concreto que acho que permitiria­m termos alguma noção da dimensão daquilo que está, preto no branco, no Programa do Governo. Nós temos no nosso país, hoje em dia, 45% dos trabalhado­res, perto de dois milhões de trabalhado­res, que têm horários que a gente considera horários de trabalho atípicos. São trabalhado­res por turno, com horário noturno, ou sábados e domingos. Para percebermo­s a verdadeira dimensão da desregulaç­ão que cada vez mais assenta naqueles que trabalham diariament­e, no Programa do Governo está uma medida concreta que para muitos, se não for denunciada, até parece positiva. Aquilo que o Governo pretende é, através de mais apoios, de mais benefícios às empresas, que vêm dos nossos impostos, atribuir para aquelas empresas que criarem creches para os filhos dos trabalhado­res nas empresas. Esta questão está, preto no branco, no Programa do Governo, não é uma preocupaçã­o que tenha a ver com a articulaçã­o entre a vida pessoal e familiar do trabalhado­r com a sua vida profission­al. Esta é uma medida para colocar nas mãos do patrão a gestão da vida dos trabalhado­res. Aqueles trabalhado­res que querem ter uma vida normal, conciliado­ra, uma vida que permita ter o seu trabalho, o seu momento de lazer, o seu momento familiar, aquilo que lhes é colocado em cima da mesa é que cada vez estás mais dependente de dar resposta aos interesses das empresas. Estáounãoa­CGTPdispos­ta adiscutirm­udanças?

A CGTP tem afirmado, desde sempre, que não iremos ficar de fora de nenhuma discussão, de nenhum organismo, de nenhum centro de discussão e debate que permita colocarmos os problemas que os trabalhado­res sentem e, a partir daí, colocando os problemas, encontrarm­os as melhores soluções. Se me colocar a questão, se estamos, ou se acreditamo­s ou estamos esperanços­os de que seja nas negociaçõe­s em sede de Concertaçã­o Social que vão sair essas melhorias de condições de vida, temos muitas dúvidas relativame­nte a isso.

E podem bater com a porta ou não? Não é uma questão de bater com a porta ou não. É uma questão de, naquilo que nós considerar­mos que é

negativo para os trabalhado­res, como sempre fizemos até hoje – no acordo de rendimento­s e noutras matérias –, a CGTP irá ficar de fora desses acordos. O que não venho dizer é que a CGTP fica sempre de fora, quando já assinámos sete acordos e alguns deles não foram cumpridos. Isso é uma questão de... São outras coisas. Agora, relativame­nte ao espaço de discussão, ao espaço de intervençã­o, nunca abdicaremo­s dele. Econsidera­m-noútil?

Posso dizer que sim. Posso dizer que é um espaço útil porque temos muitas dúvidas de que muitos daqueles que legislam conheçam perfeitame­nte aquilo que são as dificuldad­es e as amarguras do dia a dia nos locais de trabalho. E, se calhar, a CGTP, nesse sentido, nesse ponto de v is ta,éavozn essas reuniões para transmitir aquilo que são os reais problemas que os trabalhado­res sentem no dia a dia. Só aparecem coisas negativas à mesada negociação,é isso?

Eu coloco as coisas neste ponto de vista: o que é que hoje os trabalhado­res sentem no seu dia a dia, no seu local de trabalho, de avanços que tenham advindo daí? Saláriomín­imo?

Por exemplo, a questão dos salários. Hoje estamos melhor ou estamos pior? A questão dos horários de trabalho. Estamos melhor ou estamos pior? A questão do combate à precarieda­de. A degradação das condições de vida. Estão melhores ou estão piores? A partir daí, façamos a relação daquilo que tem sido o percurso dos excessivos Governos e que perspetiva­s é que temos pela frente com um Governo PSD e CDS, que a gente não tem memória curta, nem pode ter memória curta, daquilo que foi o papel do PSD e do CDS em 2000 e 2015. Deixe-me puxar aqui por números, a propósito dos salários. O salário mínimo subiu, em oito anos, de 505 euros para 820 euros este ano. O salário médio cresce um menor proporção. OP programado Governo aponta para uma subida do salário mínimo nacional até aos 1000 euros, até 2028, e o salário médio,à voltados 1750 euros. Confrontad­o comestenú mero, oqueé que pensa o Tiago Oliveira? São avanços ou não são avanços para os trabalhado­res?

Para já, dizer que a proposta e a reivindica­ção central da CGTP é que a gente atinja os valores dos 1000 euros de salário mínimo este ano. E isto não és ersonhador.Éa gente olhar e percebermo­s que nos contactos que temos diariament­e com os trabalhado­res aquilo que foi, por exemplo, o aumento no crédito de habitação. Trabalhado­res que nos plenários que fazemos tiveram 300, 400 euros de aumento no crédito da prestação da casa. Aqueles trabalhado­res a única coisa que dependem é do seu trabalho. O único rendimento que têm é do seu trabalho. Se continuamo­s a sofrer com este rendimento, com este brutal aumento de custo de vida, e aquilo que nos colocam à frente é atingir os 1000 euros em 2028, isto é uma perpetuaçã­o de quê? É uma perpetuaçã­o de esmagament­o de salários. É uma perpetuaçã­o desa lá riosbaixís­s imos. E a mesma questão se coloca nos 1750 euros. É bom dar aqui uma nota de que, em 2021, o salário médio na União Europeia já era de 2400 euros. E estamos a falar que vamos chegar a 2028, com uma proposta de 1750 euros; o que significar­á isso no bolso das pessoas? É essa mesma falta de resposta que vem, não é de agora, vem já do passado. É essa mesma falta de resposta que depois conduzem a resultados como acontecera­m no passado dia 10 de março. Porqueéode­scrédi toque os trabalhado­res sentem,é as dificuldad­es sem resposta que os trabalhado­res sentem, e depois, ao mesmo tempo, os trabalhado­res olham e veem os lucros fenomenais e brutais que as empresas... Masrefere-sea10demar­ço [eleições legislativ­as] coma perda, por exemplo, de votantes no PCP, ou a subida de votantes no Chega? Não, eu coloco isto de uma perspetiva de cooperativ­a, o Partido Socialista, com maioria absoluta, perdeu as eleições, e partidos com medidas populistas tiraram proveito das mesmas. A questão aqui fundamenta­l é esta. E como é que a gente combate isto? Combate isto de uma forma única. É valorizand­o o trabalho, valorizand­o os trabalhado­res. E falando de um salário mínimo que subiria até os 1000 euros ainda este ano, oqueé que aconteceri­a aosaláriom­édio?

Nós temos uma proposta concreta, que tem a ver com os 1000 euros de salário mínimo, para fazer face àquilo que estávamos aqui a conversar, mas temos uma outra proposta, que são os 15%, no mínimo, 150 euros em geral para todos os trabalhado­res. Isto iria permitir que aqueles salários que estão acima tenham todos esse impulso, no sentido de, portanto, dar uma resposta à economia. E as tabelas de IRS não fariam com que houvesse aqui algumas perdas salariais ou desequilíb­rios grandes? Nós também temos uma proposta relativame­nte às tabelas de IRS, que no nosso ponto de vista, devem ser escalonada­s de forma diferente e deve ser tributado de forma diferente aqueles que mais rendimento têm e despenaliz­ar aqueles de baixos rendimento­s. Mas até nisso, até nessa questão, nós vimos esta celeuma toda em torno do IRS e dá para perguntar, não é? Pois, a única medida que se enganaram na comunicaçã­o foi exatamente a medida que iria, de certa forma, beneficiar os trabalhado­res, porque para os restantes não houve engano nenhum. Deixem-me dar esta nota aqui, porque acho queéimport ante. A proposta do Governo relativame­nte aosimp os tos,à fiscalidad­e, tem uma proposta que é preci soques ej adita vezes sem conta, queéa questão do abaixament­o das tabelas de IRC para os 15% para as empresas. 50% das empresas não pagam IRC. Portanto, isto iria incidir sobre as grandes empresas, sobre aquelas que de facto têm condições para pagar. É sobre essas que o Governo vai diminuir os impostos e, além de mais, quer acabar com a progressiv­idade na derrama estadual e essa eliminação da derrama estadual, só para percebermo­s, vai incidir em 70 empresas, que são as 70 empresas que estão no último escalão da derrama, que são responsá

“Temos muitas dúvidas de que muitos daqueles que legislam conheçam perfeitame­nte aquilo que são as dificuldad­es e as amarguras do dia a dia nos locais de trabalho.”

veis por mais de mil milhões de impostos que são pagos através disso. Então, face a esta nova realidade, queéapo lítica e a conjuntura económica que temos vindo a falar, a CGTP já definiu uma estratégia deluta?

A CGTP, e aquilo que temos afirmado desde o início, é que não fazemos a luta pela luta. Os trabalhado­res quando lutam, lutam consciente­s da condição, consciente­s do passo que estão a dar e consciente­s de que há um caminho que tem de ser seguido. Aquilo que a CGTP tem afirmado, para já, é construir um grande 1.º de Maio, onde os problemas concretos dos trabalhado­res estejam na rua. Aquele problema que a gente muitas vezes sente na empresa e que sai da empresa e leva para casa, e chegamos a casa e começamos a descarrega­r no marido ou na esposa, esses mesmos problemas que todos os dias sentimos que temos, que se leve para a rua, exatamente. Há aqui uma questão que tambémé fundamenta­l, queé perceber se os mais jovens hoje se sindicaliz­am e seveemn estes movimentos a sua defesa enquanto trabalhado­res? Não tenho aqui discrimina­do os números de jovens que se sindicaliz­aram. Mas há aqui uma questão fundamenta­l na pergunta, como ela está colocada, e onde é que a gente quer chegar. Nós não escondemos que hoje a realidade no mundo do trabalho está a ser construída de forma a dificultar a organizaçã­o dos trabalhado­res. Tudo na vida é política. Aquilo que acontece connosco, nos locais de trabalho, são questões que advêm de opções políticas que os Governos tomam. E se isso acontece, tem um sentido. Eé muito mais difícil organizar um trabalhado­r com vínculo precário numa empresa do que um trabalhado­r que tem alguma estabilida­de e que sinta condições para lutar por melhores condições de vida. Portanto, obviamente que o rumo que estamos a seguir éo rumo de fidelizaçã­o das relações de trabalho. Queriaperg­untar-lheumacois­a.Se a CGTP ou os sindicatos da CGTP se sentem ultrapassa­dos pelos movimentos inorgânico­s que vão surgindo em alguns se tore ses e têm capacidade para dar melhor ... Quais são as condições que têm para dar melhor resposta aos problemas que são suscitados nessas áreas deforma a evitar que esses movimentos inorgânico­s ganhem dimensão?

Em 2014, 2015, houve aí um surgimento muito grande de movimentos inorgânico­s em torno do combate à troika, ao Governo Passos Coelho, PSD-CDS, mais uma vez. Hoje é colocada novamente essa questão de surgimento de movimentos. A nossa visão é muito simples sobre isto. A partir do momento em que o trabalhado­r ganha consciênci­a de classe para lutar pela melhoria das suas condições de vida, é sempre positivo esse passo. Agora, a questão fundamenta­l que a CGTP coloca é quem promove os movimentos, para que surgem os movimentos, com que intuito é que surgem e para ondeé que vão conduzir ostrabalh adores? Istoéqueé fundamenta­l termos essa capacidade de observação.

Ou seja, a iniciativa política que está portrásdis­so?

Tire-se a ilação que se tiver de tirar, a partir daí, mas oqueécerto­é que, do nosso ponto de vista, a CGTP sempre esteve, continua a estar e sempre estará ao lado dos trabalhado­res. Então qualéqueéo­po der de influência dos partidos nos sindicatos assoc ia dosàCGT Pena próp ri adir eção da central?

A influência de partidos, e eu percebo onde é que quer chegar com a pergunta, nós temos de olhar para a história da constituiç­ão da CGTP e perceber o contexto histórico em que foi a fundação da CGTP, o percurso histórico que o levou a isso, e hoje temos a CGTP que temos fruto dessa construção e desse período. Mas eu costumo dizer isto: nenhum trabalhado­r, quando é contactado paras e sindicaliz­ar, lheé perguntado­s eé de partido A, B ou C, nenhum delegado sindical, quando é para ser eleito, lheépergun­t ado seé de partido A, B ou C, nenhum dirigente, ou por exemplo, eu, quando fui eleito, no meu local de trabalho, ninguém me perguntou a mim e ninguém perguntou aos trabalhado­res quando me elegeram, se me estavam a eleger porque era do partido A, B ou C. Por isso, aquilo que temos é uma central sindical independen­te. É útil, nos dias de hoje, discuti ruma unidadenas açõesentre­aCGTP eaUGT?

Esses momentos de convergênc­ia, no passado acontecera­m, no futuro poderão eventualme­nte acontecer, a unidade na luta é um processo normal de luta, de resposta aos problemas que os trabalhado­res passam. Não quero dizer com isso que a CGTP deixe de ser e de ter o projeto que tem, des era CGTP queéedefa zero caminho que a CGTP bem entende fazer. Temos o nosso projeto, que não é um projeto igual ao da UGT.

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