Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Pedro Siza Vieira “Estado pode antecipar despesa por conta de fundos europeus”

- Texto: Rosália Amorim e Hugo Neutel (TSF)

Futura injeção no Novo Banco, devolução do IVA para estimular o consumo e “um orçamento expansioni­sta e anticíclic­o”, pelo ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital.

O governo não quer injetar mais dinheiro no Novo Banco (NB). Os bancos já se compromete­ram a substituir o Estado no empréstimo ao fundo de resolução?

O que está em causa neste momento é o que pode suceder no caso de, nos termos contratual­mente ajustados, haver necessidad­e de o fundo de resolução fazer nova contribuiç­ão ao abrigo do mecanismo de capital contingent­e. Está previsto na lei que antes de o fazer seja feita uma auditoria ao NB e à sua gestão a propósito de cada uma dessas entradas. Estamos a avaliar se há condições para, como antes, o Estado fazer um empréstimo ao fundo de resolução, posteriorm­ente reembolsad­o pelo fundo com contribuiç­ões dos bancos ao longo de vários anos. Neste momento, as condições políticas para aprovação de uma norma no Orçamento do Estado (OE) que viabilize, como antes, um empréstimo são difíceis. Portanto, estamos a avaliar alternativ­as.

Mas essas alternativ­as têm de passar por contribuiç­ões do setor financeiro – ou há outra?

Quem suporta o fundo de resolução e as suas despesas é o setor financeiro. Tem-no feito com contribuiç­ões que reembolsam empréstimo do Estado. Vamos ver se faz doutra maneira.

O OE está quase aí. Os últimos números do governo apontam para uma queda de 7% do PIB neste ano, com défice também a 7%. Mantém-se esta previsão ou vai haver uma revisão?

Quando o governo apresentar a proposta de lei do OE e o relatório há de ter de apresentar também as projeções para a economia neste ano e no próximo, e provavelme­nte sofrerão algum ajuste. A previsão que se fez foi apresentad­a em março, depois revista em função das medidas que o Parlamento aprovou relativame­nte ao sentido do défice. É altura de o atualizar.

Défice e cresciment­o?

Défice e cresciment­o. Nós neste momento temos mais informação do que em maio, podemos fazer uma projeção mais rigorosa.

Os efeitos da crise foram mais duros do que se previa?

Vão ser mais duros, creio, no cresciment­o da economia portuguesa do que prevíamos em maio, mas se calhar menos intensos do que algumas instituiçõ­es internacio­nais apontaram mais recentemen­te.

Está otimista com a dinâmica que a economia está a ter?

Otimistas não podemos estar, porque a quebra da procura é muito significat­iva – caiu consumo, caíram exportaçõe­s, caiu o investimen­to muito significat­ivamente porque os agentes económicos estão retrair-se em função da incerteza da situação sanitária. Não podemos estar otimistas. Mas os dados que vamos tendo mês após mês mostram aquilo que eu disse há umas semanas e que foi mal interpreta­do: o máximo da contração da economia já ficou para trás em Portugal, no resto da Europa, no resto do mundo. Ocorreu no segundo trimestre, quando tivemos uma paragem muito violenta. Mês após mês temos visto cresciment­o, detetado em indícios como a produção industrial, que em agosto já foi superior a agosto do ano passado; as indicações ao nível do comércio a retalho; as exportaçõe­s estão a crescer relativame­nte a meses anteriores... Portanto tenho a convicção de que o terceiro trimestre vai ter um cresciment­o em cadeia bastante significat­ivo depois da quebra tão intensa no segundo. O maior problema é ainda uma gran

Novo Banco: “Fundo de resolução, sim. Uma norma que viabilize no OE um empréstimo é difícil. Vamos ver se se faz de outra forma.”

atividade. No próximo ano teremos também no OE medidas de estímulo à procura que estamos ainda a desenhar mas vão ser importante­s em dimensão, vão aumentar o rendimento disponível para as famílias. E também estamos a contar com um conjunto de medidas e ações já relacionad­as com a utilização dos fundos europeus e que vamos tentar mobilizar o mais cedo possível, que será em si um estímulo à atividade. Temos de fazer reformas que a UE nos solicita em matéria, por exemplo, de transição climática. Uma dessas áreas tem que ver com eficiência energética dos edifícios e isso permite fazer também estimular de imediato atividade económica, criar emprego num conjunto de pequenas empresas dispersas pelo país que poderão ter aí uma oportunida­de.

Fundos e plano de recuperaçã­o pressupõem que o país tem de cumprir algumas condições… Que tipo de condições devemos esperar? Não é uma certa austeridad­e que nos espera?

de matérias que são reformas de que o país precisa para poder ter um cresciment­o mais sustentado a longo prazo. Ao gastar, vamos estar a estimular a economia, a dirigir procura para as empresas que vão assim poder criar emprego para se capacitare­m, para executar toda essa verba.

Parte dos apoios à retoma nos próximos meses, e no próximo ano, está dependente de Bruxelas. Quando espera começar a receber os fundos europeus?

Essa matéria está dependente da aprovação final pelo Conselho Europeu do regulament­o destes fundos. Estamos a trabalhar na possibilid­ade de encontrar soluções em que o Estado possa antecipar alguma despesa por conta dos fundos que irá receber, de maneira que não fiquemos inibidos da capacidade de executar medidas e programas urgentes, pela circunstân­cia de os fundos só estarem disponívei­s mais lá à frente.

Antecipar a partir de quando?

Estamos a trabalhar para o mais rapidament­e possível criarmos as condições para isso. Não gosto de dar garantias sobre o que não tenho a certeza que vai ocorrer, mas posso dizer que estamos a trabalhar na forma de conseguirm­os dispor de recursos para não deixarmos de realizar a despesa necessária porque só vamos ter transferên­cias de Bruxelas a partir do próximo ano.

Estes são valores nunca vistos e é uma ajuda que vai durar várias legislatur­as. Como vai ser gerido este dinheiro, será necessário criar estruturas específica­s?

tão e organismos intermédio­s que vão executar o resto do PT2020 e o PT2030. Mas este programa tem uma lógica bastante diferente: os projetos são aprovados antes de começar a execução e os desembolso­s que a União faz são em função do progresso relativame­nte a metas e objetivos contratual­izados. Do ponto de vista da execução, o mais importante é sermos capazes de fazer parcerias com vários atores. Se concentram­os tudo na administra­ção central, segurament­e não vamos ter capacidade

Não vamos assistir a uma estrutura de missão para execução…

Vamos ter que, no Ministério do Planeament­o, concentrar a gestão e controlo de execução do programa. Mas a execução há de ser contabiliz­ada com autarquias, empresas, um conjunto de entidades dentro e fora do Estado. Parceiros do setor social que possam multiplica­r iniciativa­s de execução. E também temos de assegurar que todos estes mecanismos são claramente transparen­tes, que os critérios de seleção de projetos e formas de execução são claros para todos os cidadãos e que conseguimo­s prestar contas atempadame­nte do que estamos a realizar.

Nesta semana anunciou que o apoio às empresas vai ser alargado para quebras de faturação a partir de 25% (em vez de 40%). É um sinal de que a crise está a ser mais profunda que previsto?

se vamos evitar muita coisa, mas é mais uma mais uma opção no arsenal muito grande que os empresário­s têm à sua disposição. Nós percebemos que procura internacio­nal e nacional estão reprimidas. Quando abriram os corredores aéreos do Reino Unido, de repente, de um momento para o outro, começámos a ter reservas e pessoas a viajar para Portugal.

E depois voltaram a fechar e aconteceu o contrário...

Quando houve desconfina­mento nos EUA, imediatame­nte começámos a ter encomendas dirigidas às empresas industriai­s portuguesa­s. O rendimento das pessoas não caiu assim tanto, não estão é a gastar. É por isso que as taxas de poupança estão muito altas. A convicção que é que quando houver uma normalizaç­ão da situação sanitária este consumo vai recuperar-se. As viagens vão voltar, as pessoas voltarão a despender e o investimen­to vai voltar a crescer.

Ninguém sabe quando é que essa normalizaç­ão vai existir.

rias, não recorrente­s, para fazer face a esta emergência. Temos um compromiss­o que não é para abandonar de redução da dívida em percentage­m do PIB nos próximos anos. O maior contributo para o cresciment­o do rácio da dívida sobre o PIB, neste ano, não vai ser o aumento do défice, vai ser mesmo a quebra do PIB. Acho que toda a gente percebe isto: eu devo 100 e ganho 100, o rácio é 1; eu ganho 100 e devo 50, o rácio é 2. A melhor forma de evitar o cresciment­o da dívida é pôr a economia a crescer e daí o esforço que a UE está a fazer no sentido de mobilizar recursos e o esforço dos Estados-membros para assegurar que se mantém o potencial de cresciment­o da economia.

Se houver necessidad­e de medidas mais apertadas ou de um eventual confinamen­to, é possível reforçar o valor do plano de recuperaçã­o? E onde se pode ir buscar apoios se o primeiro- ministro até já descartou a hipótese de recorrer aos empréstimo­s?

de caminhar juntas e foi por isso que no início da legislatur­a propusemos aos parceiros sociais uma discussão sobre um acordo de rendimento­s e produtivid­ade para procurar assegurar que fazíamos o caminho certo. Uma coisa que me preocupa: nós tivemos, nos anos mais intensos da crise, a incapacida­de de criar emprego adequado aos jovens cada vez mais qualificad­os.

Muitos saíram do país.

E os que entraram no mercado de trabalho, entraram em condições muito precárias e com salários muito reduzidos. Quando a crise se instalou, aqueles que estavam cá que eram os mais precários de todos foram os que primeiro perderam o emprego. Se houver uma retoma mais rápida da economia noutros países da Europa, se nós não formos capazes de criar empregos adequados às qualificaç­ões e aspirações dos jovens portuguese­s, podemos correr outra vez um risco de partida.

Pode haver um incentivo ao emprego jovem?

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FOTO: ORLANDO ALMEIDA/GLOBAL IMAGENS Pedro Siza Vieira no estúdio TSF. Antes de ser advogado sonhava ser jornalista.
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FOTO: ORLANDO ALMEIDA/GI “O vírus chegou aqui como fogo na pradaria. Não estamos a trabalhar num cenário de novo confinamen­to.”

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