Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
Marques da Cruz: “Desejo que haja mais investimento chinês na Europa”
Presidente da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa via vantagem na entrada de Pequim na ferrovia portuguesa. E garante que mais China até ajudaria à reindustrialização.
João Marques da Cruz, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa (CCILC) – que inclui nos seus órgãos sociais EDP, Haitong Bank, REN/State Grid, Huawei, China Three Gorges, TAP, CGD, Fidelidade, entre outras empresas –, fala sobre a relação entre Portugal e China, que se tornou muito mais próxima ao longo dos últimos anos, com fortes investimentos chineses em Portugal e mais trocas comerciais entre os dois países, sendo reforçadas as exportações nacionais para Pequim. A pandemia covid 19 veio, no entanto, desacelerar a economia mundial – e com ela a relação bilateral, sendo ainda responsável por uma maior tensão nas relações entre o presidente Trump e o presidente Xi. Razão pela qual empresários e gestores com negócios nestas geografias enfrentam desafios redobrados. João Marques da Cruz explica quais são e como a CCILC pode ajudar a ultrapassá-los.
Neste contexto de pandemia, como tem a câmara de comércio mantido a plataforma de negócios a funcionar?
A Câmara de Comércio, obviamente, também sofre, como todas as empresas e pessoas, com a pandemia, mas temos mantido duas ações importantes: a ação de ajudar muitas pequenas e médias empresas (PME) associadas e outras que não o são – porque acreditamos que há potencial das empresas portuguesas para exportarem mais para o mercado chinês e serem parceiras de investidores chineses em Portugal –, e colocar notoriedade na relação económica entre dois países que estão nos extremos deste grande continente que é a Eurásia.
A relação bilateral recuou uns anos, por causa da pandemia?
Sim, mas as relações bilaterais de todo o mundo recuaram. Resolvida a pandemia o mais depressa possível o ritmo de aprofundamento das relações económicas vai retomar, porque os fundamentais da razão desta relação económica, que estava a crescer, mantêm-se. Portugal precisa da China, a China precisa de Portugal.
No início de setembro o chefe da diplomacia chinesa, Wang Yi, estimou ser possível a conclusão de um acordo comercial China-UE sobre investimentos até ao final do ano. Porque é tão importante ser neste ano?
Tem que ver com o timming. Até fim deste ano é a presidência alemã da UE e os grandes países gostam sempre de fazer coincidir esses momentos com grandes acordos. Esta questão do final do ano expressa a importância estratégica da relação Alemanha-China. Mas a questão de um acordo de proteção recíproca de investimento entre UE e China é talvez a questão económica mais relevante. A Europa tem de assumir que a China é um parceiro comercial e de investimento bem-vindo. Não pode ostracizar, como outros.
Fazer o que fazem os EUA?
É isso. A Europa tem de seguir o seu caminho e esse é equidistante da relação estreita que deve ter com os EUA e de uma relação estreita que deve ter com a China.
Na pandemia tem-se questionado a dependência da Europa face à China, por exemplo na indústria de máscaras e ventiladores. Esta tendência de algum fechamento da Europa pode prejudicar esse acordo?
Este acordo é importante para a reindustrialização da Europa e não é contra a reindustrialização. Portugal e a Europa têm de industrializar-se mais.
O acordo pode ser importante para essa industrialização?
Exato. Para que ventiladores, máscaras, tudo isso possa ser feito na
Europa, com investidores chineses também. Sendo um acordo de proteção recíproca de investimento, é um acordo que potencia investimento recíproco. Por isso, é muito bem-vindo. Desejo que haja mais investimento chinês na Europa.
“Pela nossa parte tudo está bem na EDP, não buscamos qualquer alteração.”
E como pode Portugal tirar partido de tudo isso?
Portugal é dos países europeus que mais precisam dessa nova aposta na indústria, deve acolher investimento chinês em vários setores. Por exemplo, a China é o maior fabricante mundial de comboios. Portugal precisa de apostar na ferrovia. Gostaria imenso de ver uma empresa chinesa, nomeadamente a maior fabricante do mundo de comboios, a CRRC, a investir e utilizar o país para colocar os seus comboios no mercado europeu. Portugal ganha porque tem investimento industrial que gera valor acrescentado, riqueza, emprego.
“No 5G, via com bons olhos uma cooperação com o operador de rede de eletricidade, a EDP Distribuição.”
“Barrar a Huawei porque é chinesa, não. Termos de usar a Huawei por ser chinesa, também não.”
A China quer também uma posição forte nos portos – Sines e não só. Que vantagens e desvantagens vê nesta tomada de posição?
Quando fala de portos há sempre
uma componente quase geoestratégica. Eu não tenho nenhum problema que, de uma forma competitiva, o operador de um porto seja chinês, porque o porto será sempre português. Aliás, o terminal de Sines é concessionado à PSA, que é o porto de Singapura, e ninguém acha que o governo de Singapura controla Sines. As rotas marítimas são muito condicionadas pelo detentor do porto. A vantagem para a economia portuguesa é que haveria novas rotas a escolher Sines como porto de águas profundas na ligação à Europa.
A defesa americana pôs a China Three Gorges (acionista da EDP) e a CCCC (da Mota-Engil) numa espécie de lista negra de “empresas comunistas militares”. Como é que esta tensão se reflete na relação Portugal-China?
Portugal é soberano, membro da UE, e deve ter as suas regras, que não devem ser copy/paste do que outros fazem. O investimento chinês deve ser bem-vindo. E espero que a atuação das autoridades portuguesas seja pautada pelo princí
Exatamente. Claro que isto exige muito investimento, provavelmente deveria passar por cooperação entre operadores de telecomunicações. Também via com bons olhos cooperação com o próprio operador de rede de distribuição de eletricidade, a EDP Distribuição.
Já há contactos nesse sentido, em Portugal?
Já, agora cabe aos operadores. Uma coisa é certa, a EDP não quer entrar neste negócio. Não vai vender serviços de telecomunicações. A boa prática no mundo na implementação do 5G é sinergia ou entre operadores ou com alguém que tem infraestrutura útil, o operador de rede de distribuição, porque é uma infraestrutura muito capilar. Isso é a parte 5G e desejo que aconteça e o mais depressa possível.
E com ou sem a Huawei?
Para implementar o 5G é preciso imensa tecnologia. Na minha opinião, não deve haver nenhuma exclusão por nacionalidade. Agora, a Huawei não deve ser excluída nem ter livre trânsito. Os seus equipamentos devem ser verificados. Checados tecnicamente.
Até para percebermos se há preocupações com a segurança?
problema foi resolvido com grande esforço dos empresários portugueses, da administração pública portuguesa e da embaixada – é de assinalar o esforço do embaixador José Augusto Duarte. E depois sapatos. O sapato português tem muito boa relação qualidade/preço e muito boa imagem na China.
Em plena covid, houve um aumento das trocas comerciais entre Portugal e Macau?
É verdade. Sendo justo, as trocas comerciais com Macau são pequenas e muitas não foram para consumo de Macau. Mas havemos de chegar rapidamente ao normal e eu não vejo Macau como entreposto de mercadorias, mas de negócios, para penetração nessa grande região.
Falemos de One Belt, One Road: como pode Portugal posicionar-se nas novas rotas da seda?
“O agroalimentar (vinho e carne de porco) é uma oportunidade. E o sapato português tem muito boa imagem na China.”
“Investimento chinês e americano são bem-vindos – e ambos respeitando as nossas regras.”
“Gostava de ver empresas chinesas investir na ferrovia e portos portugueses”.