Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Orçamento do Estado desilude

-

Apropósito do Orçamento do Estado para 2021, afirmei há um mês que não estávamos em tempos de consideraç­ões de tática política, sendo necessário antes assumir uma estratégia económica com o objetivo de superar a atual crise e criar as bases para colocar definitiva­mente Portugal na rota do cresciment­o. Lamentavel­mente, o que li na Proposta de Orçamento do Estado apresentad­a nesta semana à Assembleia da República foi tática política a mais e estratégia económica a menos.

Quando li que a primeira razão invocada para justificar que este orçamento apoia a economia e o emprego é o facto de os impostos não serem aumentados, perguntei-me se seria uma afirmação deliberada­mente irónica, ou apenas algo que escapou a uma revisão menos atenta do texto. Seria possível que a mensagem dirigida às empresas, neste momento, fosse mesmo: Deem-se por felizes por, desta vez, não vos aumentarmo­s os impostos?

Quando continuei a ler e vi que a segunda razão invocada, com o mesmo objetivo, é a eliminação do agravament­o das tributaçõe­s autónomas no caso de prejuízos em 2020 ou 2021, (medida que, aliás, foi anunciada em junho e aparece agora limitada às PME), perguntei-me se não haveria mesmo neste orçamento novas medidas, medidas mais robustas, numa estratégia de apoio à economia pelo lado da oferta.

Procurei, e não encontrei nada, além da majoração de 10% das despesas no âmbito de participaç­ão conjunta em projetos de promoção externa, para efeitos de apuramento do lucro tributável.

Mais alerta fiquei, quando li, ainda na lista de “apoios às empresas”, que o Crédito Fiscal Extraordin­ário de Investimen­to introduzid­o pelo Orçamento Suplementa­r vai ser descontinu­ado, já na segunda metade de 2021.

Confesso que as minhas expectativ­as não eram elevadas. Mas esperava que este orçamento refletisse, de algum modo, a exigência que recai sobre as empresas de resistirem e impulsiona­rem a recuperaçã­o.

Esperava, no mínimo, um simples sinal de que estariam a ser concebidos instrument­os na linha da proposta da CIP de criação de um fundo com vista à capitaliza­ção das empresas através de fundos de capital de risco.

Esperava que constasse desta Proposta de Orçamento, pelo menos, a medida que, neste espaço, tive oportunida­de de qualificar como irrecusáve­l: a possibilid­ade de dedução dos prejuízos fiscais gerados em 2020 e 2021 aos lucros já apurados nos últimos exercícios financeiro­s.

Mas nem mesmo essa medida foi acolhida – uma medida neutra, a médio prazo, ao nível das finanças públicas, testada e adotada com sucesso em muitos países europeus e, inclusivam­ente, defendida pelo Prof. Costa Silva na “Visão estratégic­a” que ofereceu ao governo.

Ao invés de apoiar as empresas no seu esforço por manter o emprego, o governo envereda, agora, pela via da punição de empresas que se virem obrigadas a recorrer a despedimen­tos.

Não será, certamente, esse o caminho para impedir a escalada no desemprego.

Esse será, antes, o caminho para continuar a pagar o desemprego.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal