Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
João Leão “Tenho dificuldade em perceber que um orçamento com estas características não seja aprovado”
Assumiu a pasta das Finanças a meio de uma pandemia que ninguém esperava e que trouxe a maior contração do PIB desde o início do século XX. Apresentou há dias o Orçamento do Estado para 2021, que pode ser um dos mais importantes das últimas décadas.
Este é o orçamento que quis ter ou o que conseguiu ter?
É um orçamento bom para o país, que resulta de um compromisso entre os diferentes partidos – que é suposto apoiarem o OE. É um orçamento muito bom para o país porque é focado nas quatro grandes questões que enfrentamos. Por um lado, a pandemia. Reforça o SNS em mil milhões de euros, um aumento de 10% extraordinário do orçamento do serviço nacional de saúde (SNS). A parte importante é para dar meios adicionais de combate à pandemia. Vão ser contratados mais 4200 profissionais, além dos meios para testes, diagnósticos, equipamento de proteção individual e um conjunto de outras questões. Também é muito importante porque enfrenta três grandes questões: recuperação da economia, proteção do emprego e proteção de rendimentos – decisivo no contexto de crise.
Não é o orçamento do BE?
É um orçamento de compromisso com a visão, não só do governo e do PS sobre o que é importante nesta fase, mas também recolhendo contributos de BE e PCP sobre o que é importante nesta fase para combater a crise e a pandemia.
O OE ainda está em discussão, vai agora iniciar o processo no Parlamento – na generalidade e depois na especialidade. Vai aceitar incluir, por exemplo, medidas que aumentem a despesa e não tenham correspondente receita que a sustente?
Nós temos sempre espírito de diálogo, abertura, negociação. É importante também se reconhecer que este orçamento já teve um contributo das conversas que temos com os nossos parceiros e que estão refletidos num conjunto de propostas de que podemos falar a seguir. Temos uma postura de diálogo, estamos sempre abertos a negociar de forma equilibrada e sem nunca perder de vista que mais importante do que o ganho individual de um ou outro partido é o país. E temos de dar respostas ao país e ser responsáveis.
Mas se não tivesse de negociar, quão diferente seria o OE?
É verdade que há questões de aproximação aos partidos mais à esquerda que nos apoiam no orçamento. Em algumas questões mais ligadas a dimensões como a contratação coletiva, menos despedimentos, são questões que vêm muito das preocupações desses partidos e surgem aqui refletindo preocupações que foram levantadas. Um exemplo foi a questão de como proteger os direitos dos trabalhadores num contexto de crise, com o desemprego a subir e a posição negocial dos trabalhadores fragilizada. Para ir ao encontro dessa resposta, o governo propôs uma moratória geral de dois anos na caducidade dos contratos coletivos. Essa medida tem um impacto muito grande, afeta mais de 2 milhões de trabalhadores. Quando há denúncia do contrato de trabalho, fica congelada durante dois anos a efetivação dessa denúncia. Isto tem um impacto potencial muito forte e vai ao encontro de grandes preocupações.
Aceitaria incluir propostas da Iniciativa Liberal ou do Chega no OE?
À partida não vemos muita margem para aceitar propostas, mas não excluímos, à partida, propostas de ninguém. Mas são partidos tão diferentes, com projetos tão diferentes do nosso, que não vemos assim muito...
No futuro, quando olharmos para este orçamento, não vamos olhar da mesma forma que hoje olhamos para 2008/2009 – um grande aumento da despesa?
É curioso porque vemos do espetro de comentadores e de opiniões as duas críticas: pessoas que dizem é um orçamento contido e moderado, outras que é um orçamento que aumenta muito a despesa, demasiado social e com risco.
“Estamos abertos a dialogar, mas de forma equilibrada. Não percebemos a relutância do Bloco. Temos alguma perplexidade”
Com quais deles concorda?
Temos um orçamento equilibrado. E ambicioso nas medidas de combate à crise: no plano de recuperação da economia, na proteção de rendimento e emprego; e ao mesmo tempo faz uma aposta muito forte no SNS, que não tem
défice e mais dívida, serve para que consigam investir muito e apostar nos serviços públicos sem terem de endividar-se.
Quando há investimento europeu, geralmente há uma contraparte colocada pelo Estado. Isso não exigiria um retificativo?
car aqui um conjunto de medidas muito importante porque ajudam a recuperar a economia e as empresas. Temos inscrito no OE 6 mil milhões de empréstimos com garantias do Estado para canalizar financiamento, assegurar financiamento das empresas e que estas se possam financiar a custos baixos. Por outro lado, o Conselho de Ministros acabou de decidir uma extensão da moratória que vigorava até março, para ir até setembro para todos os setores, todas as empresas. Em terceiro, também temos aprovado para o ano que vem um crédito extraordinário ao investimento das empresas para que não adiem investimentos – um crédito que representa 20% sobre o montante de investimento. É um poderoso instrumento de apoio. E depois, ainda mais importante, temos instrumentos que agora vamos desenhar no próximo mês, para continuar a apoiar as empresas onde têm mais dificuldade, que é a manutenção do emprego. Esta parte das medidas, tão bem sucedida neste ano, de apoio ao emprego, tem de ser adaptada e redesenhada e é um instrumento poderosíssimo de apoio às empresas e aos trabalhadores. É aquilo que é crucial apoiar neste momento. Temos um orçamento que aposta muito na recuperação da economia. Que coloca, quer na liquidez das famílias, via imposto, mais 550 milhões no ano que vem, quer via prestações sociais adicionais via aumento dos valores para o subsídio de desemprego, quer da prestação social com mais de 500 milhões de euros nas famílias, quer via aumento do investimento público mais mil milhões de euros na economia. E é um investimento que injeta dinheiro na economia, garante que as empresas têm negócios, mercado, e isto é um poderoso incentivo de apoio.
O lay-off vai continuar até junho. Significa que a recuperação vai ser mais difícil do que previa? Qual é o risco do aumento do desemprego?
O governo está apostado em manter apoios significativos à manutenção do emprego enquanto a pandemia tiver expressão significativa. Do nosso ponto de vista temos de dar um sinal importante já para o primeiro semestre, é crucial ajudar e manter a capacidade produtiva das empresas, manter os trabalhadores empregues. É também importante do ponto de vista social, assegurar que não há despedimentos. Temos uma aposta muito forte nessa área para evitar o aumento do desemprego. Assumimos que até ao final do ano e durante o inverno continuará a haver aumento do desemprego. O nosso cenário antecipa que a partir do segundo trimestre e no verão, começará a diminuir, de tal modo que a taxa de desemprego no ano que vem seja mais baixa do que neste. Mas tudo isto depende de um cenário de evolução da pandemia que é incerto. Temos usado os cenários internacionais, pode ser um cenário melhor do que aquele que estamos a antever, ou pior. Há grande incerteza.
O estudo da CIP conclui que as empresas pagam cada vez mais taxas, que se adicionam aos impostos. Sabemos que as taxas não são responsabilidade das finanças, muitas vezes são até locais, mas há demais... Admite analisar esta situação?
Estamos sempre disponíveis para analisar e avaliar isso, na parte que depende ao governo – uma parte não é da exclusiva responsabilidade do governo. Temos tido um programa elogiado até pelo ponto de vista académico num estudo muito recente, o Simplex, que tem contribuído para reduzir de forma muito significativa os custos das empresas.
Ainda na parte fiscal, das três medidas anunciadas, duas têm efeito temporário no bolso das famílias. Não poderá estar a criar alguma ilusão nos contribuintes de uma maior liquidez?
Há uma que tem efeito permanente, que é a redução do IVA da luz. São cerca de 150 milhões de impacto anual que permanece. Agora, quando há momentos extraordinárias de crise, são precisas respostas extraordinárias. E para garantir que os impactos não afetam de forma permanente a sustentabilidade das finanças públicas e da segurança social, as medidas têm caráter transitório. A segunda medida é a devolução total do IVA cobrado num trimestre na restauração, alojamento e cultura, é uma medida claramente de natureza temporária. Tem que ver com os setores que estão muito atingidos pela necessidade de distanciamento social. Para além destes, há outro que tem apoio por outra via, o dos transportes. Mas este setores são muito atingidos e precisam de um apoio também de natureza especial e extraordinário. Para além disso, temos a outra medida, não de descida de imposto, mas de antecipação do Estado, de não reter rendimento que é das famílias.
Não é ilusão? Há um ajuste de contas no ano seguinte.
No ano seguinte as taxas de manutenção mais baixas mantêm-se. Naturalmente depois é feito o acerto ao nível dos reembolsos, mas o retenção mensal fica.
Em que escalão começa e acaba essa medida e qual é afinal a média. São os tais 2%?
Achámos que nesta altura de crise não faria sentido o Estado reter, havendo capacidade financeira, artificialmente rendimento que é dos trabalhadores, decidimos antecipar esses 200 milhões e em vez de receber em 2022 vão recebê-los logo em 2021. Afeta todos os escalões, mas está virado para os trabalhadores – onde identificámos o excesso de retenção.
Todos os escalões beneficiam?
Sim, como o IRS aumenta com o nível de rendimento, quanto maior o nível de rendimento também se sente o efeito em termos de valores mais elevados, mas afeta os diferentes escalões.
“No IRS a retenção baixa 2%. Não é uma descida, é uma medida de antecipação de o Estado não reter rendimento que é das famílias”
E são os tais 2%? Porque é que o governo não atualizou as tabelas da retenção já com essa medida para sabermos exatamente quanto calha a cada português?
No momento oportuno. Já temos o modelo desenhado e como o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais referiu pode ir a 200 euros.
Mas também referiu que pode ser muito menos do que isso noutros níveis de rendimento.
Certo, pessoas que pagam menos impostos sentem menos esse efeito do que quem paga mais, naturalmente.
Reforma do IRS com alteração de escalões: “A intenção mantém-se, mas o país mudou em março”
Mas ainda pode ser negociado para a aprovação do orçamento?
Os partidos não mostram muito interesse em negociar este tipo medidas. Neste momento até depende apenas da decisão do Mi
nistério das Finanças. Nós achamos que é importante antecipar e devolver às famílias o que é delas neste contexto de dificuldade.
Mas são em média 2%?
Sim. É isso, 2% do IRS, não são dois pontos percentuais.
A covid adiou a reforma do IRS e a alteração dos escalões. Vai acontecer nesta legislatura?
Agora o prioritário deve ser a proteção dos rendimentos; noutras medidas temos de avaliar o contexto e o momento oportuno. Estamos agora focados naquilo que é crucial, em quem está a ser atingido severamente por esta crise, para que não perca rendimento de forma acentuada, ajudar a recuperar a economia rapidamente. Temos de perceber que nos aconteceu a crise das nossas vidas. Uma crise a nível internacional que levou à maior queda do PIB de que há memória, e agora temos de avaliar e o momento oportuno para implementar as medidas e pensar, sobretudo, no que é que o país precisa.
É uma medida que está no programa do governo...
Certo, nós temos um programa de governo que queremos cum
O Estado não deve reter artificialmente o dinheiro que é das famílias. Devemos dar-lhes o que é das famílias reter de forma excessiva e paternalista, dizer ‘porque vocês não sabem gerir o vosso dinheiro devolvemos no momento oportuno’. Não é óbvio que dar o dinheiro mensalmente não seja melhor do que colocar todo o rendimento num determinado mês...
Falou há pouco do IVAucher: os 200 milhões são um desejo, uma previsão que, sendo atingida, põe fim ao programa?
Temos uma verba inscrita no OE de 200 milhões. É uma medida muito fácil de executar, basta um contribuinte associar o NIF ao Multibanco ou a uma app e beneficia automaticamente desse mecanismo. É um crédito fiscal quase automático. Estimamos que vai ter um impacto muito generalizado porque é de adesão muito simples, e que depois de aplicado durante um trimestre a despesa possa ser próxima de 200 milhões.
Alguns economistas consideram que está excessivamente otimista e os portugueses não vão gastar em restaurantes, hotéis e cultura em crise. Crê mesmo que chegamos a esse teto?
Este cenário já parte também de
Sim. Qualquer consumo nestes três setores, qualquer benefício fiscal que venha dos três setores.
Um de uma refeição pode ser gasto num bilhete de teatro?
Exatamente.
Falou numa app, no multibanco... Afinal, como é que vai funcionar esta medida, na prática?
Uma forma é através do cartão. Basta ir ao multibanco e fazer ligação do cartão ao número de contribuinte, e a partir daí passa a beneficiar automaticamente.
Deve haver lá um botãozinho que pede o contribuinte para associar ao IVAucher, é isso?
Isso mesmo. E ao associar, passa a beneficiar automaticamente sem
A indicação é para um trimestre, mas vamos ver como é que evolui a execução e a adesão à medida. O valor previsto é de 200 milhões.
Portanto, é possível que acabe ao fim de um trimestre?
É possível.
Se não forem atingidos os 200 milhões, continua?
Temos de avaliar em função da evolução dos setores e da economia. O que está previsto é uma medida que é aprovada para um trimestre e que pode ser aplicada no seguinte. Temos em vista o primeiro trimestre.
A lógica do IVAucher vai ser por tipo de produto ou por estabelecimento? Por exemplo, os livros são abrangidos – mesmo os vendidos em supermercados?
É uma boa questão, estou convencido que é por estabelecimento, mas precisava de ver isso melhor com o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
Por estabelecimento não abrange o livro comprado no supermercado.
Admito que sim.
Já disse que o governo está disponível para apoiar o emprego na restauração, no alojamento e na cultura caso o IVAucher não surta o efeito previsto. Como?
Uma parte importante tem que ver com o IRC e com uma medida tomada para permitir que as empresas possam, ao nível dos pagamentos por conta, fazer todos os ajustamentos neste ano, em função dos resultados deste ano. Como sabemos que os resultados deverão ser mais difíceis por causa da crise, isso teve um reflexo adicional porque era uma medida que não estava prevista na proposta inicial do Suplementar. Em relação à evolução da crise, no terceiro trimestre até correu ligeiramente melhor do que estávamos à espera, mas não podemos ignorar que a pandemia está numa fase ascendente, e isso não deixará de afetar a atividade económica. Admitimos que no quarto trimestre possa acontecer o contrário. No total do ano estamos a prever uma queda do PIB de 8,5%. As previsões macroeconómicas foram feitas num contexto que está claramente a piorar – entrámos novamente em estado de calamidade, os próximos meses devem ser muito difíceis.
E consegue garantir que para 2020 não precisaremos de um novo Suplementar?
Neste momento não prevemos nenhum Suplementar, mas não teremos nenhum problema em fazer as alterações necessárias.
“Não prevemos um orçamento suplementar em 2020, mas não teremos problemas em fazer alterações que forem necessárias”
Os 500 milhões para a TAP são indicativos. Até que valor pode ir esta ajuda?
A TAP, tal como as restantes companhias aéreas, está a ser profundamente afetada pela pandemia. Os 1200 milhões de euros autori