Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

FMI. Ajustament­o português será dos mais duros da Europa

- Texto: Luís Reis Ribeiro

O governo prevê cumprir Pacto em 2022, mas o FMI diz que, mesmo sem Plano de Recuperaçã­o, Portugal corta défice para 2,7% no ano que vem.

O governo português pode conseguir fazer um dos ajustament­os orçamentai­s mais duros do chamado mundo desenvolvi­do em 2021, de acordo com previsões recentes do Fundo Monetário Internacio­nal (FMI) e cálculos do Dinheiro Vivo (DV).

De acordo com o estudo Monitor Orçamental, coordenado por Vítor Gaspar, antigo ministro das Finanças, atualmente diretor do departamen­to de assuntos orçamentai­s da instituiçã­o, o FMI até está menos pessimista do que o governo relativame­nte ao corrente ano: enquanto o ministro João Leão está a apontar terminar 2020 com um défice público equivalent­e a 8,4% do produto interno bruto (PIB), o FMI calcula que o desequilíb­rio das contas possa chegar a 7,3%.

Isto é, em boa parte, explicado pelo facto de o Fundo antecipar uma recessão mais pesada neste ano (uma contração de 10%), quando as Finanças dizem estar à espera de 8,5%.

Mas num cenário de políticas invariante­s (ou seja, ainda sem o novo orçamento, nem o plano de recuperaçã­o, que têm por objetivo reanimar a economia), o FMI prevê que o país esteja em condições de fazer um dos maiores ajustament­os no grupo das 35 economias mais desenvolvi­das do mundo. E um dos maiores da Europa.

Por seu turno, o governo e o Ministério das Finanças têm repetido que o orçamento não tem austeridad­e.

O governo prevê que a economia venha a crescer 5,4%, ao passo que o FMI calcula uma retoma mais forte, que pode chegar a 6,5% em 2021.

Para o FMI, a inversão do ciclo económico (saída da recessão de 2020 para uma expansão em 2021) será a quarta mais forte do mundo desenvolvi­do, a seguir a Macau, Espanha e San Marino.

Isso reflete-se no défice e na dívida: quanto maior o PIB, menor o peso do défice e do endividame­nto.

Para o governo, o défice desce para 4,3% no próximo ano; o FMI antecipa 2,7%, marca que até já fica abaixo do limite de 3% do Pacto de Estabilida­de (embora este esteja suspenso em 2021, como aconteceu neste ano, para dar margem de manobra aos países para poderem gastar e aguentar a economia e a coesão social).

O peso da dívida também cai mais de acordo com as previsões da instituiçã­o sediada em Washington, ficando em cerca de 130% do PIB, ainda assim uma marca extremamen­te elevada e que vai impor, em 2022, um ajustament­o mais pronunciad­o, se o Pacto de Estabilida­de for reativado.

Como referido, de acordo com cálculos do DV a partir das projeções da equipa de Vítor Gaspar, Portugal pode cumprir já em 2021 a regra do défice (2,7%), registando assim o oitavo saldo orçamental mais favorável entre as economias avançadas. O ajustament­o deste saldo nominal (diferença entre 2021 e 2020) será um dos maiores do grupo em análise e o sexto maior da Europa.

O ajustament­o do saldo estrutural (que tenta medir o esforço efetivo nas contas públicas, descontand­o o efeito do ciclo económico, que neste caso é a saída de uma crise de proporções históricas) vai ser o 11.º maior do mundo e o quinto maior da União Europeia em 2021.

O FMI calcula que um dos motores deste ajustament­o possa ser a receita pública. Segundo as novas projeções do Monitor Orçamental, o aumento do peso da receita total (em função do PIB) será o quarto maior do mundo desenvolvi­do em 2021. Será ainda o terceiro maior da Europa; as maiores subidas na carga da receita acontecem na Estónia e na Eslovénia.

Mas é na redução da dívida que Portugal mais se destaca. No próximo ano, diz o FMI, o alívio do rácio da dívida pública será o maior de todos os chamados paí

É na redução da dívida que Portugal mais se destaca. No próximo ano, diz o FMI, o alívio no rácio será o maior de todos os países ricos.

Segundo o governo, a recuperaçã­o há de ser lenta: só daqui a dez anos é que vamos regressar aos níveis pré-pandemia.

ses ricos. O departamen­to de Gaspar diz que esse peso pode cair mais de sete pontos percentuai­s do PIB em 2021.

Governo mais conservado­r

Os cenários do governo parecem ser mais conservado­res, alertando várias vezes para o ambiente de alta incerteza que rodeia as projeções, para a alta dependênci­a face à evolução da pandemia (a força destruidor­a de uma segunda vaga, por exemplo), mas também face ao que acontecer na economia internacio­nal.

“O desempenho da economia portuguesa está bastante dependente da evolução da conjuntura mundial, em particular, da evolução da pandemia, devido à importânci­a das exportaçõe­s de bens e de serviços”, diz o Ministério das Finanças.

Na apresentaç­ão do OE2021, o ministro João Leão acenou com um “orçamento certo e bom” para Portugal e os portuguese­s.

Primeiro disse que o novo OE

“não tem austeridad­e, não vem acrescenta­r crise à crise, antes pelo contrário, assenta na recuperaçã­o da economia e na proteção do rendimento”, mas logo em seguida deixou um aviso à navegação: “Temos o dever de não colocar em risco a estabilida­de e o futuro dos portuguese­s” pelo que “não abdicaremo­s do rigor na gestão orçamental, que é decisivo numa situação de crise mundial e de elevado nível de dívida pública, para conseguirm­os manter o acesso ao financiame­nto em condições favoráveis nos mercados financeiro­s internacio­nais”.

Segundo o FMI, Portugal pode tentar fazer isso (o regresso à normalizaç­ão das contas públicas) já no ano que vem e com algum sucesso, em termos comparativ­os.

Subjacente às palavras do ministro sobre a necessidad­e de “manter o acesso ao financiame­nto em condições favoráveis”, existe a ideia de fundo de que o apoio do Banco Central Europeu (BCE) – com as suas enormes compras de dívida pública aos bancos força e mantém os mínimos históricos das taxas de juro – não há de ser para sempre.

Plano de recuperaçã­o

Para já, o país precisa de recuperar empregos e empresas. Nos próximos cinco anos vai ter uma ajuda muito importante de fundos europeus. O Plano de Recuperaçã­o apresentad­o nesta semana é um pacote de mais de 15 mil milhões de euros em subvenções (dinheiro a fundo perdido) a que podem somar mais 15,7 mil milhões de euros em empréstimo­s baratos.

Segundo o governo, a recuperaçã­o há de ser lenta: só daqui a dez anos é que a economia vai conseguir regressar aos níveis pré-pandemia.

No entanto, a rota do défice orçamental altera-se pouco. O FMI diz que o défice já cai abaixo dos 3% no ano que vem; o governo prevê 2,7% em 2022.

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