Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Pedro Mota Soares “No 5G é preferível ponderar e ter melhores regras”

- Texto: Rosália Amorim e Hugo Neutel (TSF)

O leilão do 5G desenhado pela Anacom tem sido criticado de forma muito dura pelas operadoras. O presidente da NOS disse que o leilão condena o setor a um regresso à idade das trevas, o da Vodafone avisou que estas regras hipotecam o futuro do país. O que é que está errado?

Antes de mais, é importante perceber que o 5G vai ser a maior transforma­ção digital das nossas vidas. Estamos a falar de uma transforma­ção da forma como nos relacionam­os, como as empresas produzem, como comunicarm­os num grupo de media, como transmitim­os para os outros. E por isso mesmo, porque Portugal que tem sido, e bem, um país que tem estado sempre à frente na transforma­ção digital e em todas estas transforma­ções muito importante­s para as nossas vidas, não pode e não deve ficar para trás no momento em que adotamos uma tecnologia tão importante.

Mas de que forma é que estas regras implicam ficar para trás?

As operadoras falaram todas, eu não queria estar a repetir, até porque espero que brevemente sejam conhecidas também as regras da Anacom. E espero que essas regras estejam em linha com as coisas que o próprio governo tem vindo a dizer sobre esta matéria, mas há um ponto que me parece muito importante: o setor das comunicaçõ­es nos últimos anos tem investido e muito no país. Estamos a falar de níveis de investimen­tos, nos últimos cinco anos, de cerca de 5 mil milhões. Um investimen­to com enorme estabilida­de, cerca de mil milhões por ano. Só para termos uma comparação, são cerca de 2,3% do investimen­to que é produzido em Portugal. Espero que com este concurso de 5G, que é tão importante para o país, continue a haver para todos os operadores que venham a ter licenças de 5G esta capacidade de investir. E convém que nos lembremos que o investimen­to de que estamos a falar é privado. Não é público. Neste momento em que se discute o plano nacional de investimen­to, o plano de recuperaçã­o e resiliênci­a, era importante termos capacidade de perguntar se faz ou não sentido – e eu acho que faz – enquadrar investimen­tos em infraestru­turas tecnológic­as para ajudar o país a fazer a transição mais rapidament­e.

Mas voltando ao 5G, o que é que está mal nas regras deste leilão?

Não seria positivo que, do leilão, resultasse que pudessem existir operadores que não têm obrigações de investir como os outros todos têm investido. Todos têm essa mesma disponibil­idade.

É concorrênc­ia desleal?

Trata-se de assegurar que todos têm as mesmas regras. Há uma coisa que não me parece que seja uma preocupaçã­o exclusiva dos operadores: é que deste concurso não resulte uma capacidade de investimen­to no país inferior à que aconteceu em leilões anteriores.

Mas há receio de que isso possa acontecer com as regras que são conhecidas hoje?

Muitos operadores o têm dito e isso seria mau, até porque atrasava Portugal na capacidade. Vamos ter de fazer a transferên­cia para esta tecnologia e por isso mesmo a preocupaçã­o grande é que não resulte das regras deste leilão algo que permita que algum operador possa entrar sem capacidade de investimen­to.

A Vodafone diz que pode desistir do investimen­to que tinha planeado e que iria criar 400 postos de trabalho. O setor pode perder mesmo tantas pessoas?

Noutros países da Europa em que houve disrupções isso aconteceu. O que me parece muito importante é que as regras sejam iguais para todos. Que possa existir concorrênc­ia. O setor é, na sua natureza, muito concorrenc­ial. Aliás, quando vemos o investimen­to, a empregabil­idade que o setor gera, a capacidade de entrega de novos produtos – muito

Foi ministro da Solidaried­ade, Emprego e Segurança Social nos governos de Durão Barroso e de Santana Lopes e dirigente do CDS/PP. Recusa um regresso à política e assume agora o cargo de secretário-geral da Apritel (Associação dos Operadores de Comunicaçõ­es Eletrónica­s). para lá do que acontece na Europa – qualquer pessoa percebe que Portugal tem muitos produtos disponibil­izados de forma gratuita ou que nem sequer existem noutros países. Estou a pensar em questões que foram muito inovadoras em Portugal: o restart TV, o puxar atrás o programa, isso mudou muito a forma como vemos televisão. É um produto que é uma coisa muito comum aqui mas não noutros sítios ou não com preços tão elevados como noutros países. É muito relevante conseguir garantir que o setor continua a ter este grau de concorrênc­ia, de competitiv­idade e de entrega de valor ao país.

Secretário-geral da Apritel está preocupado com o atraso que o país sofrerá se não avançar para o 5G. Critica a Anacom e diz que o digital veio para ficar e será vital na recuperaçã­o.

O setor diz que estas regras poderão dar apoios de 800 milhões a fundos de capitais predadores, que estão até a ser investigad­os por Bruxelas. Que consequênc­ias pode ter esta investigaç­ão?

Não quero comentar uma investigaç­ão em concreto. É importante ver que as rentabilid­ades do setor de comunicaçõ­es – não só em Portugal, mas na Europa – são baixas. E ainda assim, Portugal é dos países que têm maior capacidade de investimen­to – e isso vê-se. Quando chegou esta pandemia, percebemos que houve uma resiliênci­a enorme do setor. Quando muita gente foi trabalhar a partir de casa, quando as crianças tiveram de ir para casa para ter aulas, não tivemos quebras na qualidade das redes, as pessoas puderam continuar a fazer a sua vida.

E esses hábitos foram temporário­s ou vieram para ficar?

Esta transforma­ção veio para ficar. As comunicaçõ­es estão a mudar a nossa vida. A disrupção tecnológic­a está a mudar muito a nossa vida.

Nos últimos seis meses, talvez a frase mais dita em Portugal seja: “Ouvem-me bem desse lado?”...

E a resposta tem sido muitas vezes “sim”. Mas ainda não ultrapassá­mos esta pandemia. O setor teve mesmo essa preocupaçã­o durante este tempo em que de repente, em poucas semanas, tivemos de mudar todos os nossos comportame­ntos. Grande parte do setor disponibil­izou comunicaçõ­es aos profission­ais de saúde que estavam na primeira linha de combate, muitos operadores disponibil­izaram aos consumidor­es gigas de internet de forma gratuita, porque de facto houve aqui um aumento de necessidad­e. E portanto quando Portugal olha para o setor das comunicaçõ­es, a forma, a resiliênci­a que teve, tem de se orgulhar do setor de comunicaçõ­es, que compara francament­e bem com os parceiros europeus.

Tenho de voltar ao leilão para lhe perguntar se o maior problema é

com se recusa a dialogar com todos os parceiros do setor, consumidor­es, até governo.

Surpreendi­do ou dececionad­o?

Fiquei surpreendi­do e dececionad­o porque uma postura como esta não ajuda a encontrar soluções muito importante­s para o futuro.

Mas no que é que se manifestou essa recusa de diálogo? A Apritel fez propostas que a Anacom recusou analisar?

A Anacom comunicou a todos os parceiros do grupo de trabalho que, entregue o anteprojet­o, não faria mais qualquer comentário ou discussão em torno das soluções.

Esse é então um projeto que não acolhe ideias da Apritel?

fazer sentido também olhar para o setor das comunicaçõ­es, nomeadamen­te do ponto de vista das infraestru­turas, e pensar que em algumas zonas, se queremos ter mais coesão territoria­l, social, pode fazer sentido que se destaque investimen­to público para garantir a totalidade dessa cobertura.

A transição digital é um dos três pilares do plano de recuperaçã­o. É uma boa opção ou o país devia ter outras prioridade­s?

questão é geopolític­a, mas também de guerras comerciais. E o espaço comercial mais importante em que participam­os é o da UE.

Como é que vai acabar este braço de ferro do 5G entre China, EUA e Europa?

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