Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
Quem emprega quem? Regulação de trabalho a partir de apps vai avançar
Governo pôs ideia na mesa e garante que se vai reconhecer o trabalho dependente sempre que este exista. Mas experiência da lei Uber deixa dúvidas sobre alcance das futuras regras.
ristas reconhecidos. É, oficialmente, um empresário sem trabalhadores além de si próprio. “Tentei arranjar pessoas, à comissão, mas o que é que vou pagar à pessoa que seja minimamente justo para a pessoa poder estar a trabalhar comigo? Não há margem”, diz. Dá 25% do que fatura à plataforma, mas não é ele quem define a tarifa que cobra. Cada vez mais baixa, acusa. “Neste momento, as operadoras estão a fazer dumping. Como recebem percentagem, para elas está bom. Para nós é que não”.
Este caso não representará a maioria das situações, segundo António Fernandes, dirigente do Sindicato dos Motoristas TVDE. “A maioria serão recibos verdes, o que depois se traduz muito no chamado aluguer da viatura”, explica. Este “aluguer” significa que “o motorista paga um x pela viatura. Com a pandemia, baixaram um bocadinho os valores, mas andava à volta dos 250, 260 euros por semana para usufruir da viatura, com todos os custos inerentes. Isso está nos contratos de prestação de serviços”. Neste caso, o motorista encaixará todo o valor além do montante a pagar pelo uso do carro. Há ainda casos em que “algumas empresas passaram a fazer percentagens: a empresa ganha uma parte e o motorista outra”, explica sobre a repartição das receitas após paga a percentagem devida às plataformas.
Os dois motoristas fazem parte de um pequeno exército mobilizado diariamente através de telemóveis. Ninguém sabe quantos são, o que ganham, que direitos têm, como trabalham. São prestadores de serviços ou trabalhadores dependentes? E, sendo empregados, quem é que os emprega? Estas são as principais questões a resolver num momento em que o governo dá início à discussão para regulamentar o trabalho nas plataformas digitais. O assunto vai a consulta pública no próximo mês num Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho, para fechar até ao final do ano. O prazo para realizar mudanças é que ainda é incerto.
Ao Dinheiro Vivo, o secretário de Estado do Trabalho, Miguel Cabrita, diz que está quase tudo em aberto, menos os princípios. Passarão por assegurar reconhecimento dos contratos de trabalho, concebendo que nalguns casos os trabalhadores serão efetivamente independentes, e por assegurar proteção social, saúde e segurança no trabalho, ao mesmo tempo que se exige maior transparência ao setor, partindo da experiência da regulação do chamado TVDE.
Lei Uber para todos?
O assunto foi posto na mesa da Concertação Social e, antes disso, na mesa das negociações para a viabilização do Orçamento do Estado de 2021, para ficar para já num impasse. “O governo não fez nenhuma proposta ou contraproposta que se aproximasse às nossas posições”, diz o deputado do Bloco de Esquerda, José Soeiro, para quem a chamada “Lei Uber”, a regulamentação TVDE de 2018, criou um precedente legal complicado ao criar uma terceira figura na relação entre motoristas e plataformas: a do operador, com o qual se pode presumir que o motorista mantém relação de trabalho. Em muitos casos, serão a mesma pessoa, e o receio é que o modelo venha a ser aplicado a mais setores.
“O que temos dito é que é preciso aplicar os princípios que a jurisprudência tem vindo a reconhecer, segundo os quais deve haver um contrato de trabalho entre o empregador e a plataforma. E dizemos mais: quando se licencia a atividade económica, deve-se exigir que comprovem que têm contratos de trabalho estabelecidos. Essa verificação deve ser feita de uma forma regular”, defende o Bloco.
Foi este o entendimento do Supremo Tribunal Espanhol, que em setembro reconheceu que os estafetas da Glovo são de facto trabalhadores da plataforma. O governo espanhol anunciou já que vai rever as leis para que haja, de facto, esse reconhecimento. Para a comunidade jurídica, esta não é uma decisão qualquer. “Tem um valor especial, não é mais uma decisão. É
Já foi esta a solução encontrada para o caso da Uber e dos TVDE.
Sabem quantas pessoas estão em causa?