Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Cortesia Nesta casa é uma vegetarian­a que (a)prova a melhor carne do bairro

- —JOANA PETIZ

Há uma década juntas, Anna e Inês lançaram-se num novo desafio em plena pandemia. A carne maturada e os sorrisos de quem acredita que vai dar certo são o melhor cartão de visita.

Não é caso único: veio do Brasil em Erasmus, apaixonou-se, decidiu voltar e para isso criou uma nova vida em Lisboa. Mas a história de Anna tem um twist – ou vários, já que começa nos temakis, vira na tapioca, passa pela comida saudável e vem ter às carnes maturadas de cortes nobres. E se Anna cresceu quase sem comer carne, agora é ela a especialis­ta no assunto. Sem contradiçõ­es – “ainda como muito peixe, vegetais, mas gosto do sabor de uma boa carne, do cheiro” –, antes com equilíbrio e muito bom gosto.

O Cortesia que se estreou na esquina da Rua Tomás da Anunciação com a Correia Telles, em Campo de Ourique, em setembro, em plena pandemia, é a mais recente viagem de Anna Arany com a amiga e sócia de sempre, Inês Cabral, e Manuel, o irmão desta. É um conceito que traz a qualidade da carne do original, no Saldanha Residence, que abriu há dois anos, mas dá-lhe um conceito totalmente novo de casa de bairro, onde amigos e vizinhos se juntam para conviver à mesa num ambiente desempoeir­ado e aberto à cidade, que convida a ficar e saborear as peças expostas na vitrine – entrecôte com 50 dias de maturação, chuletón com 30 dias , T-bone com 800 gramas, lombo do Uruguai, entre outras escolhas –, cortadas ao momento e cozinhadas ali mesmo à frente dos clientes.

Para entender como este Cortesia se fez, há que voltar a 2005, quando Anna tinha 24 anos e um curso de Marketing e decidiu importar o negócio de temakis que se tornara familiar no Brasil. Convencido o dono do conceito e depois de um crédito recusado, foi com 75 mil euros emprestado­s dos pais de Anna e do então namorado, Diogo, que arrancou o Noori. “E deu muito certo, mas dez anos depois quis experiment­ar alguma coisa diferente, recomeçar.”

Sem medos, Anna vendeu a sua parte no Noori e arrancou com Inês para novos voos, abrindo então a Tapiocaria, no Mercado de Campo de Ourique. Era mais um conceito a estrear-se em Lisboa e, como se espera numa cidade curiosa de novidades e cheia de turistas, resultou em mais um sucesso. Mas se a novidade entusiasmo­u, passado esse calor os portuguese­s não se mantiveram fiéis. ”No Brasil, a tapioca

“Há uma hipótese em um milhão de um negócio dar certo só porque temos um sonho. É preciso trabalhar muito.”

come-se em toda a parte, quando sai da praia, quando vai passear; mas aqui não encaixava muito bem porque não era bem uma refeição mas era pesado para lanchinho”, conta Anna.

Chegava então a hora de embarcar em mais uma aventura e as duas amigas e sócias arregaçara­m mangas e atiraram-se à criação de mais um conceito: comida saudável com ingredient­es originais. O Saldanha Residence, que procurava precisamen­te agitar as águas, foi o local perfeito para instalar o Ôba. Mas se a alimentaçã­o cuidada tem cada vez mais adeptos, à hora de almoço num centro comercial o que Anna e Inês viam sobretudo eram homens que desciam dos escritório­s e 90% das vezes optavam por comer hambúrguer­es. “Os portuguese­s adoram carne. É por isso que digo que foi este negócio que me escolheu.”

Em 2018, o Ôba deu lugar ao Cortesia e a receita foi um sucesso – especialme­nte porque estas empreended­oras não fazem nada pela metade: a base do negócio é a carne, mas não qualquer carne, nada menos do que a melhor serve. E a aceitação foi tal que as sócias começaram a pensar que era boa ideia expandir o negócio. Mas desta vez, com uma casa onde estivessem livres das amarras de uma loja de shopping, podendo decidir os dias e horas em que funciona, ter esplanada e fazer do restaurant­e um sítio de bairro. Campo de Ourique surgiu quase instantane­amente e o espaço de esquina encaixou na perfeição no que pensavam. E uma vez mais com capitais próprios, atiraram-se de cabeça. “Investimos 150 mil euros e fomos saltando as barreiras – muita coisa correu mal... até as obras foram embargadas”, lembra Anna. Talvez por isso, não tenham desistido ou adiado os planos quando a covid apareceu e de um dia para o outro levou 90% da faturação do restaurant­e do Saldanha – e a recuperaçã­o ainda vai a meio. Quanto ao Cortesia de bairro, e dado o contexto de pandemia, a estreia não podia estar a correr melhor, como se vê pela casa sempre cheia ao almoço e bem composta para os jantares de quinta a sábado.

Habituada a ver o melhor nas coisas, Anna diz que a pandemia até ajudou na hora de contratar os especialis­tas no corte de carne – o mercado estava mais preenchido e consegue agora manter sete profission­ais em Campo de Ourique e mais cinco no Saldanha para ajudar a receber os clientes. “As empresas não são os negócios, são os sócios, as pessoas que lá trabalham”, diz.

Mas se é otimista, Anna não tem ilusões: “Há uma hipótese em um milhão de um negócio correr bem só porque nós tivemos um sonho. Nós tivemos sorte, mas também trabalhamo­s muito todos os dias para que corra bem.” Por isso, e porque sempre optou por usar capitais próprios, defende que o cresciment­o tem de ser feito à velocidade certa, com garantias de ser sustentado. Mas sem deixar de pensar no futuro a cada momento. “Ainda é cedo, mas este é o conceito de que gostamos realmente e podemos levá-lo a outros bairros. Alvalade é uma hipótese.”

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FOTO: ANNETTE MONHEIM / GLOBAL IMAGENS Inês Carvalho e Anna Arany abriram o Cortesia em Campo de Ourique em plena pandemia

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