Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Dois pesos e duas medidas

- ANTÓNIO SARAIVA

Nos três primeiros trimestres deste ano foram já perdidos, em termos líquidos, 108 mil postos de trabalho. Mesmo assim, face aos 12.550 milhões de euros perdidos, nos primeiros nove meses do ano, relativame­nte ao que produzimos no mesmo período de 2019, a repercussã­o da crise no mercado do trabalho é, para já, menor do que o expectável. Isto significa que, apesar da quebra significat­iva de receitas e de encomendas, do futuro incerto que têm, as empresas estão a fazer tudo o que podem para sobreviver e salvar empregos durante esta crise sem precedente­s.

Os resultados desta semana do último inquérito levado a cabo pela CIP em parceria com o Marketing FutureCast Lab do ISCTE comprova-o: apesar da expectativ­a de agravament­o da tendência de quebra de vendas, 79% das empresas sinalizara­m que querem manter (ou mesmo reforçar) o seu quadro de colaborado­res nos próximos meses.

De facto, o que está no DNA das empresas é a geração de emprego, não a sua destruição. No entanto, a redução de postos de trabalho é, por vezes, a única forma de evitar o encerramen­to de empresas, em situações em que já não é viável a aplicação de outras medidas suscetívei­s de as adaptar ou restrutura­r.

O Governo tem disto plena consciênci­a, quando exerce as suas responsabi­lidades de acionista, mas está a esquecê-lo na sua intervençã­o nas empresas privadas.

Na TAP, foram concedidos, este ano, 1 200 milhões de euros de empréstimo do Estado e, para o próximo, o Orçamento do Estado reserva 500 milhões de garantia estatal para um empréstimo bancário. Simultanea­mente, é reconhecid­o que a empresa não pode manter artificial­mente uma dimensão que não tem adesão ao mercado em que está a operar, pelo que seu plano de reestrutur­ação prevê o redimensio­namento, com uma redução de 1 600 dos cerca de 14 000 trabalhado­res do grupo, até ao final do ano. É este, lamentável, mas necessaria­mente, o preço a pagar para garantir a sustentabi­lidade da empresa.

A uma empresa privada que aceda a uma das linhas de crédito com garantia mútua em vigor (cujo financiame­nto máximo, no caso das empresas de maior dimensão, são 2 milhões de euros) é exigida uma declaração em como “assume o compromiss­o de manutenção dos postos de trabalho permanente­s até 31 de dezembro de 2020, face ao comprovado número desses postos a 1 de fevereiro de 2020 e, como tal, não ter promovido nem vir a promover, nesse período, processos de despedimen­to coletivo ou despedimen­to por extinção do posto de trabalho”.

Entendo que sejam pedidas obrigações às empresas, nomeadamen­te em termos de preservaçã­o de postos de trabalho, em contrapart­ida de determinad­os apoios adicionais concedidos, mas justificar-se-ia que essas exigências fossem moduladas, de acordo com as necessidad­es de ajustament­o face às perdas registadas, de forma duradoura, nas receitas. Veremos em que moldes serão concebidas as novas linhas de crédito em preparação.

Mais grave do que o mesmo Governo ter dois pesos e duas medidas conforme o acionista é público ou privado, é estarmos a protelar ajustament­os que, se não forem feitos, levarão ao encerramen­to de empresas, com o consequent­e desemprego de todos, e não apenas alguns, dos seus trabalhado­res.

Não será, certamente, esse o caminho para impedir a escalada no desemprego.

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