Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Bruxelas duvida de poupanças orçamentai­s do governo

- —PAULO RIBEIRO PINTO

A Comissão Europeia manifestou dúvidas sobre as poupanças esperadas pelo governo com a revisão da despesa para este ano. Uma desconfian­ça que remonta a 2016, quando começou a surgir um quadro no relatório do Orçamento do Estado (OE) a prever economias nas contas através de políticas para a melhoria da eficiência da despesa pública.

No relatório da 12.ª missão de avaliação pós-programa, divulgada nesta semana, os técnicos são claros sobre esta opção do atual executivo e dos anteriores governos. “A revisão da despesa pública destinada a melhorar a eficiência dos gastos nalgumas áreas – que está em curso desde 2016 – progrediu lentamente e gerou até agora apenas poupanças orçamentai­s modestas”, lê-se no relatório.

De acordo com os cálculos do Dinheiro Vivo, se as previsões apontadas nos diversos orçamentos desde 2017 e até este ano se tivessem concretiza­do, o Estado já teria conseguido poupanças de pelo menos 943,4 milhões de euros. E se acrescenta­rmos a previsão para o próximo ano, então o valor salta para mais de mil milhões de euros.

O setor que mais contribuir­ia para este resultado seria a saúde, representa­ndo mais de metade dos ganhos previstos ao longo dos últimos cinco anos – com exceção para 2019, quando contribuiu com pouco mais de um terço.

Mas os técnicos de Bruxelas têm muitas dúvidas sobre a eficácia deste exercício anunciado pelo governo, sublinhand­o que a previsão para este ano é ainda mais curta. “De acordo com o Orçamento do Estado para 2020, esperava-se que a revisão gerasse poupanças orçamentai­s mais limitadas de 190 milhões de euros (0,1% do PIB), em comparação com 236 milhões de euros em 2019”. O valor apontado pela CE para 2020 está nove milhões de euros acima do referido no relatório do governo (181,2 milhões de euros).

E Lisboa compromete­u-se a manter esta linha para o OE de 2021, tal como o Dinheiro Vivo já noticiou, esperando ganhos de 135,3 milhões de euros. Um valor ainda mais modesto do que para este ano. “Durante a missão, as autoridade­s expressara­m a intenção de aprofundar a revisão em 2021, com foco, entre outras áreas, na saúde, educação e compras públicas”, refere o relatório de Bruxelas.

O Dinheiro Vivo questionou o Ministério das Finanças sobre se esta “intenção de aprofundar a revisão” significav­a que os valores inscritos no relatório do OE2021 poderiam ser outros, mas não obteve resposta até ao fecho desta edição.

Pressão dos salários

No relatório da 12.ª missão, apresentad­o por videoconfe­rência entre os dias 7 e 14 de setembro, a Comissão Europeia (e o Banco Central Europeu) lembra as várias pressões que existem sobre a despesa pública, como o aumento da massa salarial da função pública e das pensões através das sucessivas atualizaçõ­es extraordin­árias, a que se juntam os impactos da pandemia.

“O descongela­mento gradual dos salários no setor público e as medidas de mitigação para as carreiras especiais, aliadas ao cresciment­o contínuo do número de funcionári­os públicos (2,2% no segundo trimestre de 2020) continuara­m a impulsiona­r a despesa salarial, que aumentou 4,1% até agosto de 2020 (em termos homólogos)”, assinala a CE.

A estes juntam-se os “sucessivos aumentos para as pensões mais baixas – acima da referência à indexação regular – e o alargament­o dos critérios para a reforma antecipada”, além do envelhecim­ento da população que se traduziu num aumento da despesa em “cerca de 3,3% no ano até agosto de 2020” (numa ótica de caixa).

São pressões que segundo a CE “foram agravadas por um aumento de 20,5% dos pagamentos do subsídio de desemprego, devido à pandemia até agosto” deste ano. E que o tal exercício de revisão não compensa. “Os ganhos de eficiência planeados correm o risco de não compensar as supracitad­as pressões sobre a despesa pública corrente”, concluem os técnicos.

Sem dados

Aumento de salários e de pensões pressionam as contas de 2021. Desde 2016 que os orçamentos preveem a poupança de milhões mas os resultados são desconheci­dos.

O Dinheiro Vivo tem insistido nos últimos anos junto do Ministério das Finanças e dos ministério­s com maior peso nas revisões da despesa para que divulguem os resultados dos exercícios e se foram ou não alcançados, mas até hoje continua sem resposta.

Também a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) se tem queixado, nos vários relatórios de apreciação dos sucessivos orçamentos, da falta de informação e na análise do OE2021 volta à carga.

“Seria uma melhoria na prestação de contas que o relatório do Ministério das Finanças (MF) do próximo ano pudesse demonstrar a concretiza­ção destes ganhos de eficiência ou justificar porque é que não foram obtidos”, refere a UTAO, lembrando que esta sugestão já tinha sido feita antes, “mas constata-se que não foi acolhida pelo MF”, concluem os técnicos que prestam apoio aos deputados.

Em 2016, o então ministro Mário Centeno, criou um grupo de trabalho para fazer esta revisão. Sabe-se que uma das sugestões – esta implementa­da – foi a centraliza­ção das compras públicas pela Entidade de Serviços Partilhado­s da Administra­ção Pública (ESPAP), através do sistema nacional de compras públicas, mas desconhece­m-se mais iniciativa­s.

Já em 2017, a Organizaçã­o para a Cooperação e Desenvolvi­mento Económico (OCDE) apontava a falta de informação para o escrutínio desta revisão de despesa.

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FOTO: PAULO ALEXANDRIN­O/GI A melhoria na eficiência da despesa pública gerou “poupanças orçamentai­s modestas”, considera a CE de Von der Leyen.
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