Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Curto e grosso

- ALBERTO CASTRO Economista e professor universitá­rio

Mário Centeno fez, num curto espaço de tempo, duas intervençõ­es em que deixou vários recados curtos e grossos ao executivo que integrou – o qual não reagiu. Ai, se tivessem sido subscritas por Carlos Costa e Centeno fosse ministro...

Diz Centeno ser esta uma crise temporária embora, digo eu, o alfabeto comece a ser curto para a catalogar: andou pelo V e pelo W, sugeriu-se o U e numa curiosa ordem já vai no K. E o tempo vai passando... Uma crise temporária requer respostas temporária­s, focadas, que não disfarcem problemas estruturai­s e que não se transforme­m em estruturai­s. O caráter temporário e focado é tão mais crucial quanto menor for a margem de manobra do país, leia-se o peso da dívida pública. Não vale a pena elaborar muito sobre esta restrição: no imediato, as intervençõ­es da Comissão Europeia e do BCE têm mantido os mercados líquidos e os custos baixos, mas há sempre falcões a esvoaçar.

Centeno não quer as políticas a salvar empresas inviáveis. Deduz-se que o apoio aos que assim perderiam o emprego deveria ser feita pelos mecanismos automático­s e não por medidas ad hoc cujo efeito lateral seria a manutenção de empresas sem futuro. Certo no plano dos princípios, sabe bem que o mercado de trabalho tem hoje matizes que não se conjugam com o simplismo do enunciado. E há ainda os custos políticos (vide manifestaç­ões da restauraçã­o).

Voltemos ao ponto principal: as medidas temporária­s tornadas estruturai­s. É difícil não ver, em muitas propostas dos partidos com quem o governo escolheu negociar, este pecado tanto nos apoios sociais e à retoma como, em particular, na configuraç­ão do aparelho de Estado e da sua presença futura na vida económica e social. Balizar essa reestrutur­ação sob a pressão de uma crise temporária seria trágico. Uma tragédia a que estamos a assistir: ao não conseguire­m encontrar uma base de consenso sobre alguns dos pilares do regime, PS e PSD estarão, cada vez mais, dependente­s de franjas radicais para se manterem ou acederem ao poder, com os custos e riscos inerentes.

“Ao não conseguire­m encontrar uma base de consenso sobre alguns dos pilares do regime, PS e PSD estarão, cada vez mais, dependente­s de franjas radicais para se manterem ou acederem ao poder, com os custos e riscos inerentes.”

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