Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
Um novo normal na política
Planos do governo travados e dezenas de propostas dos partidos que não governam aprovadas. No final daquela que foi talvez a votação mais política dos últimos anos de um Orçamento do Estado, o saldo é negativo em mais de 1100 milhões de euros, que Costa e Leão terão de encontrar forma de financiar – por cá, quem propõe medidas alternativas não tem sequer de sugerir formas de pagá-las.
Como o governo vai descalçar a bota, veremos nos próximos tempos, mas a imagem mais importante que nos fica desta semana é que a realidade se alterou. Os apoios incondicionais tornaram-se alianças estratégicas e mutáveis, ajustáveis até a parceiros improváveis, as barreiras ideológicas esbateram-se em casos específicos, mas suficientes para demonstrar que o panorama político português, esse sim, vive um novo normal. Resumindo, os ventos mudaram. Mas essa mudança ainda está só a começar.
À beira de um ano que vai ter o arranque mais difícil de sempre, marcado por desemprego, falências, perda generalizada de rendimentos e ainda pela crise sanitária e pelas cada vez menos bem aceites restrições dela decorrentes, instabilidade social é um eufemismo para os meses que aí vêm.
Ainda antes de este ano fechar, já as vozes de protesto se fazem ouvir mais fortes e mais alto – desta vez num coro que junta muitos patrões aos trabalhadores – e será difícil travar a agitação social no contexto económico de uma recuperação muito lenta.
Se logo em janeiro as eleições presidenciais servirão de barómetro para o que pulsa na sociedade, não é de descartar que, entre um já assumido como necessário orçamento retificativo e as surpresas desagradáveis que esta crise ainda revelará, a instabilidade política possa acabar numa inesperada terceira ida às urnas num só ano, talvez ainda antes das autárquicas de outubro. Num momento de tamanha exigência, esse cenário pode ter efeitos avassaladores. E só com líderes políticos responsáveis – e pouco fogo de artifício, amuos e teimosias – será possível evitá-lo.