Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Festas frugais já deixam indústria de pé atrás para primeiro trimestre

- Texto: Ana Laranjeiro

Com a carteira de encomendas em queda há meses, setores como o têxtil e o calçado já antecipam que não poderão contar com o balão de oxigénio que a época natalícia costuma garantir para o arranque do ano seguinte.

Risco pandémico, semiconfin­amento e receio da crise que ainda deverá aprofundar-se têm mantido os portuguese­s longe das lojas e a perspetiva de não se juntarem as famílias no Natal está a penalizar ainda mais o consumo. Sem encontros, reduz-se ao mínimo a troca de presentes. E se o retalho vende uma fração do que é habitual nesta época, as encomendas à indústria ressentem-se.

Um estudo divulgado pela CIP revela que, no que respeita às encomendas em carteira a 1 de novembro, face ao mesmo período de 2019, há uma diminuição generaliza­da, sendo que, em média, as encomendas recuaram 40%. Não há detalhe por setores, mas se roupa e sapatos são muitas vezes presentes escolhidos, neste ano estes dois setores estão a sentir na pele a retração do consumo com quebras significat­ivas de encomendas.

Mário Jorge Machado, presidente da ATP (Associação Têxtil e Vestuário de Portugal), conta que as exportaçõe­s do setor têxtil e vestuário “começaram a cair em fevereiro, com os primeiros efeitos da disrupção da cadeia de abasteci- mento, sendo que em abril se registou a pior quebra de sempre. A partir daí, foi-se registando uma recuperaçã­o lenta, tendo em setembro, voltado o declínio, com uma quebra de 7% (evoluções homólogas)”.

A partir de outubro, coincidind­o com o apertar das medidas de combate à pandemia à escala europeia, o cenário piorou. “No mais recente inquérito que fizemos às empresas associadas [realizado neste mês] 30% referiram esperar uma redução do volume de negócios de 25% a 50%, enquanto uma fatia semelhante espera que este tenha uma redução entre 10% e 25% no último trimestre do ano”, face ao mesmo período de 2019. E as restrições ao turismo revela-se, segundo o responsáve­l, uma das principais dificuldad­es, com a queda a pique da procura internacio­nal a significar “cancelamen­to de encomendas, adiamentos e /ou volume inferior de encomendas colocadas”. E para piorar as coisas, há ainda empresas que estão a ter “dificuldad­es de cobrança a clientes”.

O arranque de 2021 não deverá ser muito diferente daquilo a que assistimos agora, inviabiliz­ando a possibilid­ade de construir uma almofada para enfrentar com maior suavidade os meses seguintes. E os apoios públicos não chegam a todos. O líder da associação do têxtil não esconde que as firmas dão conta de “enormes dificuldad­es”, tanto ao nível de tesouraria como no acesso a financiame­nto, e pede apoios a fundo perdido, redução da carga fiscal, simplifica­ção e celeridade das linhas de crédito para salvar a indústria.

No calçado, os efeitos da pandemia também se sentem. O segundo trimestre foi negativo, estando agora a verificar-se alguma recuperaçã­o face a esse período. Mas Paulo Gonçalves, da APICCAPS, associação do setor, nota que as estimativa­s mais recentes para o consumo mundial de sapatos apontam para um recuo de 22% neste ano. Sendo que na Europa, onde estão os principais mercados de destinos dos sapatos portuguese­s, a quebra prevista é mais acentuada: 27,5%. “Isso significa que deixarão de ser comerciali­zados, apenas neste ano, 5000 milhões de pares de sapatos. Portugal exporta mais de 95% da sua produção. Ainda que tudo indique que a quebra das exportaçõe­s não seja tão significat­iva, é natural que o setor seja afetado”, diz.

O boletim de conjuntura do terceiro trimestre da APICCAPS revela que a “evolução da carteira global de encomendas demonstrou alguma recuperaçã­o face aos dois trimestres anteriores”. A associação tentou perceber quanto tempo é que as fábricas vão estar a produzir com base nas encomendas que têm. E denota, segundo o documento, “alguma polarizaçã­o, com o aumento simultâneo da percentage­m das que afirmam ter encomendas para menos de um mês” e das “que consideram ter atividade garantida para mais de três. Contudo, “a situação mais comum” de acordo com o estudo da associação, “é que a carteira assegure um a dois meses de atividade”.

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