Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
Confinamento agrava de forma brutal a desigualdade
Durante a troika, fosso entre ricos e pobres aumentou muito, mas desde 2015 que melhorava. FMI avisa Portugal que pode ser dos mais dilacerados pelo confinamento.
Portugal trilhou um caminho nos últimos anos em que conseguiu reduzir o nível de desigualdade na distribuição de rendimentos (índice de Gini ou IG). Mesmo com este progresso, em 2019, o país continuava a ser o nono mais desigual da Europa, isto é, tem o nono fosso mais fundo entre ricos e pobres. Um pouco mais cavado do que em Chipre, ligeiramente menos do que no Luxemburgo.
Apesar dos avanços desde 2015, a crise pandémica pode virar este tabuleiro, empurrando a desigualdade para perto de níveis considerados perigosos para a paz e a coesão social. De acordo com uma análise apresentada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), a economia portuguesa é das mais vulneráveis e arrisca enfrentar um dos maiores agravamentos da desigualdade da Europa – uma bomba-relógio social.
Segundo um estudo citado pelo FMI, as medidas de confinamento estão a empurrar para as margens os que não têm possibilidade de adotar o regime de teletrabalho, os mais precários, sobretudo os mais jovens e mais expostos ao arrendamento.
O referido artigo intitulado “Desigualdade salarial e os efeitos da pobreza e do distanciamento social na Europa” mostra que Portugal, Espanha e Chipre são os três países que enfrentam a maior ameaça que é o alastramento da desigualdade. Os autores são Juan Palomino, da Universidade de Oxford, e Juan Rodríguez e Raquel Sebastian, ambos da Universidade Complutense de Madrid.
Os economistas decidiram calcular o impacto no índice de Gini na sequência de um período de confinamento, seguido de aberturas graduais. Assumiram um período de confinamento de dois meses e depois disso seis meses de reabertura das atividades, ainda parcial.
Os efeitos no tecido social e no fosso entre ricos e pobres são devastadores. De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), o coeficiente ou índice de Gini “é um indicador de desigualdade na distribuição do rendimento e sintetiza num único valor a assimetria dessa distribuição”. “Assume valores entre zero (quando todos os indivíduos têm igual rendimento) e cem (quando todo o rendimento se concentra num único indivíduo)”. “A base é o rendimento monetário anual líquido das famílias”.
No estudo divulgado pelo FMI, em Chipre, o aumento “previsível” da desigualdade na sequência do binómio confinamento/abertura parcial é de quase oito pontos, o que colocaria o IG cipriota em quase 39 pontos.
Espanha e Portugal surgem logo a seguir, registando o segundo pior impacto, com a desigualdade de ambos os países a piorar quase seis pontos. No caso de Portugal, significa que a desigualdade, que durante os anos da troika aumentou, mas que desde 2015 melhorou, pode inverter e ir aos 38 pontos.
O Banco Mundial considera que até aos 40 pontos a situação é relativamente comportável, mas que de 40 para cima a desigualdade passa a ser problemática e causadora de fissuras sociais graves. Ou seja, por causa da pandemia e das medidas restritivas subsequentes, Portugal fica à beira desse limite crítico. Espanha também.
O mesmo trabalho também mostra que a desigualdade tende a piorar na maioria dos países mais ricos, mas com menor gravidade nos muito ricos. Na lista de impactos previsíveis, os economistas espanhóis consideram que a Dinamarca será o território menos afetado pelo fenómeno. Mesmo assim, o respetivo IG sobe três pontos, metade do registado no caso de Portugal.
O que explica, então, que alguns países sofram mais do que outros?
Para o FMI, “o impacto da pandemia será particularmente agressivo para os trabalhadores com baixas qualificações e temporários”, sobretudo para os dos setores do turismo e da hospitalidade.
A Comissão Europeia e o Banco de Portugal fazem o mesmo tipo de aviso. O ajustamento à pandemia na economia portuguesa tende a ser mais duro e difícil por causa da exposição ao turismo (hotéis, restaurantes), setor onde não é possível trabalhar à distância.
Os trabalhadores com menor nível de qualificações são também aqueles que se defrontam com “menos opções de teletrabalho”, um canal que amplifica o efeito devastador da pandemia numa parte muito específica da população e com elevada dimensão.
Segundo o INE, no terceiro trimestre, apenas 13% dos trabalhadores em Portugal estavam em teletrabalho, cerca de 644 mil pessoas num total de quase 4,8 milhões de empregados. Com a abertura gradual das atividades, o número de teletrabalhadores afundou quase 40% face aos três meses mais marcados pelo confinamento (abril a junho). Quase 400 mil voltaram ao trabalho presencial ou ficaram sem emprego, pois muitas empresas faliram ou foram esmagadas por uma forte quebra na procura.
A análise do FMI, com base no artigo dos economistas espanhóis, refere que o índice de teletrabalho na camada dos trabalhadores com menos qualificações é muito baixo em países como Portugal, Itália, Espanha e Grécia. E bastante mais elevado na Noruega, Dinamarca, etc.
Isto significa que os trabalhadores menos qualificados, com salários mais baixos e mais precários em Portugal são os que mais facilmente ficam sem trabalho ou são obrigados a parar, sempre que o confinamento aperta.
O FMI refere ainda que “as perdas de rendimento” decorrentes desta situação podem tornar a vida desses trabalhadores ainda mais difícil porque tendem a “agravar” o fardo do custo da habitação, que é fixo. Por exemplo, “se os preços do arrendamento não ajustarem em simultâneo”, esta população trabalhadora será ainda mais marginalizada, alimentando o problema da desigualdade.