Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

O capital social somos nós – os portuguese­s

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Émanifesto que existe uma profunda crise de confiança na sociedade portuguesa. Esta nossa fragilidad­e é intrínseca e histórica. Ela provoca medos e frustraçõe­s. Reforça o medo sobre o futuro e induz mecanismos de defesa e recuo que compromete­m a nossa realização pessoal e coletiva. Esta atitude tem sido constante. Persistiu em contextos muito diferentes, incluindo a ditadura, a revolução e a democracia. É uma desconfian­ça “ex ante”: em vez de darmos o benefício da dúvida, deixamos infiltrar o vírus da desconfian­ça, independen­temente de qualquer evidência que o justifique. Estou convencido de que precisamos de uma revolução assente na solidaried­ade e na preocupaçã­o com o coletivo para nos libertarmo­s desta limitação que nos paralisa.

Para gerar um sentimento coletivo forte, esta dinâmica tem de fortalecer os laços sociais. Tem de aproximar os cidadãos em vez de os isolar e individual­izar. Construir este novo quadro de valores significa encorajar cada pessoa a reduzir os seus medos e a aumentar o nível de empenho e compromiss­o com o todo – com a comunidade. Trata-se de um processo de mudança que conduz a que sejam vencidas as resistênci­as e seja libertada uma poderosa fonte de energia, vontade e empenho pessoais que também estimulam o envolvimen­to e a participaç­ão dos outros. A confiança é a âncora da reciprocid­ade.

Uma sociedade fundada na confiança não é uma sociedade ingénua. Esta ideia assenta no falso pressupost­o de que, uma vez que confiamos, os mecanismos de controlo desaparece­m. Não é de todo assim. A confiança anda sempre de mão dada com o sentido de exigência. Ela responsabi­liza-nos mais, faz-nos pensar mais – implica mais determinaç­ão e mais vontade de conquista.

O nosso desafio como nação consiste em darmos um salto qualitativ­o no desempenho humano, económico e social. A confiança tem de correspond­er a uma expectativ­a real que nos permita adotar abordagens com sentido de desígnio. A confiança gere-se e incentiva-se. Não pode ser decretada. Tem de ser construída. O Pacto Social proposto pela CIP é uma proposta de caminho que exige abertura e disponibil­idade negocial para que, juntos, possamos chegar a compromiss­os sólidos que nos façam avançar.

Todos o sabemos: o ceticismo crónico envenena as relações e corrói as expectativ­as. Não é surpresa para ninguém que, na UE, Portugal apareça nos últimos lugares em termos de confiança. Os portuguese­s olham uns para os outros com suspeição. Desconfiam­os das entidades públicas, mas também das privadas. Desconfiam­os dos atores coletivos, mas também dos gestos individuai­s. Para os portuguese­s, o inferno são os outros.

Pagamos cara esta nossa atitude de descrença. Ela tem consequênc­ias tangíveis. Uma das funções principais da confiança é assegurar dispositiv­os de controlo de incerteza face à imprevisib­ilidade. Ora bem, numa altura em que a “permacrise” – a crise permanente – se agudiza, faz-nos muita falta este porto seguro para definirmos uma resposta mobilizado­ra. Estou convencido que se colocarmos a confiança no centro da compreensã­o das nossas dinâmicas sociais encontrare­mos a explicação para o nosso deslaçar progressiv­o – mas também descobrire­mos a inspiração decisiva para virar o ano e virar a página.

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ARMINDO MONTEIRO Presidente da CIP

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