Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
INVESTIMENTO PÚBLICO NÃO DESCOLA DE 2% DO PIB E EXCEDENTE ATINGE RECORDE
Ao longo de 2023, as dificuldades – aliás assumidas pelo Governo, que releva a natureza mais complicada de muitos projetos, que “demoram” a refletir-se no terreno e nas contas nacionais – continuaram plasmadas nos registos do INE.
Desde 1999, o peso do investimento público na economia (em percentagem do PIB - Produto Interno Bruto) equivale a 2,8%. Desde que o governo PS assumiu funções, desde final de 2015, a média é de 1,8%. Entre janeiro e setembro deste ano, esse esforço no investimento público aumentou para 2,1%, mas não o suficiente para pôr em causa a fortíssima consolidação orçamental em curso (este investimento é despesa pública).
O novo apuramento feito pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) coloca o saldo das contas públicas num excedente nunca visto na história democrática: 3,3% do PIB nos três trimestres que terminam em setembro.
Estes cálculos são do Dinheiro Vivo com base nas Contas Nacionais Trimestrais por Setor Institucional, ontem divulgadas pelo INE.
Primeiro, é preciso assinalar que, de facto, há um esforço em fazer subir a execução do investimento público, muito dele nutrido pelos preciosos fundos europeus, em especial pelas verbas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que até 2026 podem significar uma injeção de fundos (subvenções, verbas a fundo perdido, mais empréstimos baratos) no valor superior a 22 mil milhões de euros.
Em termos acumulados, no apuramento feito no final do terceiro trimestre deste ano, o investimento público avançou, em termos nominais, 7,7% face ao mesmo período de 2022. Porém, não chega para descolar de anos de dificuldades na execução de fundos para fazer reaparecer o tão desejado investimento em causas estruturantes.
No final de 2022, o peso do investimento recuperou devagarinho, mas não conseguiu mais do que 2,4% do PIB.
Ao longo de 2023, as dificuldades – aliás assumidas pelo governo, que releva a natureza mais complicada de muitos projetos, que “demoram” a refletir-se no terreno e nas contas nacionais – continuaram plasmadas nos registos do INE.
Sempre em termos acumulados, o rácio do investimento público foi de apenas 1,5% no primeiro trimestre deste ano, 1,9% no primeiro semestre. Agora, chegou a 2,1% do PIB, como referido.
O investimento público tem uma característica importante. Ele puxa muito pelo investimento privado, das empresas. Os dois juntos criam novos empregos e, expectavelmente, mais valor acrescentado num futuro próximo, mais produtividade.
Se neste histórico do INE, desde 1999, a economia apresenta um crescimento nominal (contando com inflação, um fenómeno muito recente) que ultrapassa os 8%, o investimento tem ido bem mais devagar, aumentou os referidos 2,8%, em média.
A dificuldade histórica no avanço do investimento público, mesmo com a exceção do reforço que se nota ao longo de 2023, tem permitido comprimir a despesa pública.
O últimos resultados estão à vista. O investimento público cresce de uma base muito baixa e avança 13% no terceiro trimestre de 2023, mas o saldo orçamental, agora excedente histórico, reflete um saldo impressionante (homólogo) superior a 40%.
No ano que termina em setembro, o Governo consegue reforçar o seu investimento em mais 470 milhões de euros, mas o excedente das contas públicas ganhou dois mil milhões de euros.
O Governo e a gestão do ministro das Finanças, Fernando Medina, defendem que é preciso ter “contas certas” para acautelar o futuro e o bom crédito da República.
A este ritmo, com um excedente histórico de 3,3% do PIB no final do terceiro trimestre, Medina podia até entregar um défice anormalmente elevado de 6,7% do PIB no último trimestre deste ano e, mesmo assim, não comprometia a meta, também ela histórica e honrosa, de um excedente de 0,8% no ano de 2023.
No final de 2022, o peso do investimento recuperou devagarinho, mas não conseguiu mais do que 2,4% do PIB.
Na reta final do ano, há acertos de contas e normalmente as contas públicas resvalam. Mas, mesmo com um saldo de 0% no último trimestre de 2024, o governo podia conseguir um “brilharete” ainda mais ofuscante, aos olhos que quem avalia e manda (Comissão Europeia, agências de rating, bancos e credores internacionais), um excedente de 2,5%.
Não será tanto, mas pode ser mais do que diz o Governo, que aponta para o tal excedente de 0,8% em 2023.
O ponto de partida do ministro das Finanças, Fernando Medina, para o Orçamento do Estado de 2024 (OE 2024) é ainda “mais favorável” do que se previa, disse o Conselho das Finanças Públicas (CFP) na sua análise ao OE.
A entidade presidida por Nazaré Costa Cabral reviu a estimativa de excedente deste ano e diz que o governo PS é bem capaz de terminar este ano com um saldo público positivo de 1%.
A economista avisa que todos estes excedentes aparentam ser “instáveis e frágeis”, “uma excentricidade na história económica”, e que, acontecendo, só devem ter um destino: abater à enorme dívida pública, que ainda está acima de 100% do PIB e muito para lá dos 60% exigidos no Pacto de Estabilidade.
Na semana passada, Mário Centeno, o governador do Banco de Portugal, reforçou a marca nas previsões do novo boletim económico, prevendo um excedente público ainda mais confortável, de 1,1%.