Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
CHAMAELEON Há um investidor português a agitar Silicon Valley
Há dezenas de anos que as capitais de risco funcionam da mesma forma em Silicon Valley. A Chamaeleon, que tem o português Nuno Gonçalves Pedro como cofundador, é uma pedrada no charco ao usar tecnologia própria para encontrar as startups em fase inicial m
Nuno Gonçalves Pedro costuma contar uma história que ilustra a sua visão do mercado em Silicon Valley. Quando duas pessoas estão a ser perseguidas por um urso, uma delas pára para calçar os ténis e a outra pergunta-lhe porquê, se nunca vai conseguir correr mais rapidamente que o animal. “Não tenho de ser mais rápido que o urso, só mais rápido que tu”, responde-lhe.
Essa é a filosofia do investidor português, um veterano de Silicon Valley que está a agitar o mercado na Califórnia. Depois do sucesso da Strive Capital e de um histórico de investimentos bem-sucedidos em dezenas de empresas, incluindo a app Robinhood, DraftKings e App Annie, Nuno Gonçalves Pedro fundou a Chamaeleon com outros dois sócios experientes. Na génese, uma ideia poderosa: inovar na forma como escolhem as startups em que vão investir.
“Temos uma forma de investir nas fases iniciais de uma empresa, que é série Seed e série A, mais baseada em factos e menos em opiniões e na rede a que se pertence”, explicou o investidor ao Dinheiro Vivo. “Se olharmos para firmas de capital de risco, mesmo as maiores do mundo como a Sequoia Capital, deparamo-nos com uma coisa interessante: a maior parte destas firmas investem quase tudo em startups de tecnologia”, continuou. “No entanto, não usam tecnologia para si próprias. É um bocadinho estranho.”
Com um fundo de 75 milhões de dólares, a Chamaeleon desenvolveu uma plataforma que inclui algoritmos de inteligência artificial para analisar os riscos dos potenciais investimentos e ajudar na decisão dos sócios. É uma estratégia agnóstica em termos geográficos e independente das ligações interpessoais dos fundadores. Ao contrário do que é o normal neste mercado.
“Toda a base de decisão em capital de risco, eu diria 99% do mundo, incluindo em Silicon Valley, é baseada nas redes a que se pertence, as empresas por onde se passou, ou nas pessoas que se conhecem ou empreendedores que vêm ter connosco”, descreveu Nuno Gonçalves Pedro. Existe também uma componente de legado: geração atrás de geração de investidores e grandes firmas que consolidam poder e dinheiro ao longo das décadas.
“A maior parte dos negócios vêm de fora para dentro, empreendedores que vêm ter com as firmas de capital de risco e mostram o pitch, o plano de negócio e pedem dinheiro. É assim que a
indústria anda a viver há seis, sete décadas”, frisou o português.
A maior parte das firmas olha para fatores baseados em experiência e tradição. “Não há imensa literatura académica sobre a classe de ativos de capital de risco. É muito pouco entendida.” O que Gonçalves Pedro pretende é que esta classe se torne mais baseada em dados e menos nos rasgos de brilhantismo de sócios ou empreendedores que os deslumbram.
“O que nós temos é basicamente uma plataforma tecnológica que nos ajuda a fazer tudo o que é core em venture capital, aumentado por tecnologia e inteligência artificial.”
A plataforma, que se chama Mantis, permite extrair dados de várias fontes, que depois são estruturados, analisados e extrapolados. Identifica e quantifica fatores como produto, mercado, tecnologia e experiência dos fundadores. “A pior coisa para uma firma de capital de risco é investir numa empresa e não identificar o risco core dessa empresa”, afirmou. “O que esta plataforma faz por nós é reduzir o risco, porque permite-nos ver realmente o risco associado a cada um dos critérios de investimento.”
Sendo uma firma recente, a Chamaeleon tem 13 empresas no portefólio, com um horizonte de investimento de cinco a sete anos. A Mantis monitoriza dezenas de verticais, como redes sociais e gaming, e procura startups interessantes em todo o mundo – têm investimentos na Ásia, na Europa e nos Estados Unidos.
“Nós sempre fomos agnósticos a nível geográfico. Estamos sediados em Silicon Valley, temos operações em Portugal com um escritório no Porto e temos uma equipa também na Europa”, realçou Nuno Gonçalves Pedro. Nunca investiram numa empresa portuguesa, mas o investidor é membro do conselho de administração de duas tecnológicas portuguesas, a Aptoide e da Automaise, e tem um longo historial em startups nacionais bem-sucedidas.
Há treze anos nos Estados Unidos, depois de trabalhar seis na McKinsey, em Pequim, Nuno Gonçalves Pedro é um dos movers and shakers em Silicon Valley, com vontade de fazer diferente. “A única forma de mudar isto é dizer, mas porque é que isto é feito assim?”, refletiu. “Há muitas firmas de capital de risco em Silicon Valley, mas nenhuma faz o que nós fazemos.”
Há uma bolha de inteligência artificial?
Estando no epicentro dos investimentos em IA, Nuno Gonçalves Pedro considera que estamos a passar por um renascimento da tecnologia, mas que – tal como em todas as grandes transformações tecnológicas – vamos ter a famosa curva sistematizada pela Gartner.
“Vai haver um momento em que a bolha vai rebentar. Vamos chegar à conclusão que 95% das empresas foram criadas à volta disso não eram bem de inteligência artificial”, afirmou. “Vamos ter aquele momento em que é tudo muito mau, e depois vai haver novamente investimento.”
O português considera que estamos a entrar num momento importante de “AI-first applications”, apps que usam algoritmos IA, mas que são aplicações, não são plataformas. E em que muitas vão falhar.
Também acredita que, em termos de plataformas, será muito difícil que não sejam as grandes a ganhar, da Nvidia à Amazon e Microsoft, porque a intensidade de capital é enorme e estas são as empresas que já têm infraestrutura.
“A parte interessante é a próxima época que vamos passar de inteligência artificial, porque esta em que estamos é a IA de força bruta”, salientou. “Chegámos aqui porque, de repente, temos muito mais poder computacional, muito mais dados e menos latência nas redes.”
O fascínio com modelos como o ChatGPT vai desvanecer-se, à medida que as pessoas começarem a perceber que estes sistemas têm alucinações e inventam coisas. “Para mim, o interessante é saber quais são as plataformas do futuro”, referiu. “Quais são as próximas coisas que vão ser mais finesse, menos força bruta?”, questionou. “As que precisam de menos dados e não precisam de ser treinados. As que nos vão levar ao momento a seguir.”
Plataforma da Chamaeleon identifica e quantifica fatores como produto, mercado, tecnologia e experiência dos fundadores na escolha das startups onde investir.