Correio da Manha - Domingo

Antes de ganhar fama mundial com ‘O Quarteto de Alexandria’,

A obsessão sexual está presente desde as primeiras obras do escritor

- POR JOÃO PEDRO FERREIRA

Lawrence Durrell dedicou-se às narrativas eróticas mais desbragada­s no ‘Livro Negro’, que escreveu rodeado pela família, na ilha grega de Corfu.

Descrições considerad­as indecentes pelas leis então em vigor

Lawrence George Durrell (1912-1990) foi um dos mais famosos escritores de língua inglesa do século passado. Publicou o primeiro livro aos 23 anos e logo no ano seguinte mergulhou de cabeça na literatura ‘maldita’. Decadente, abjeto, lascivo – assim foi classifica­do ‘O Livro Negro’, escrito na ilha grega de Corfu entre 1935 e 1936 e publicado em Paris, em 1938. Só mais de três décadas depois, em 1973, é que conseguiu vencer a censura e teve a primeira edição em Inglaterra. Durrell assume, no prefácio de 1959 à edição americana, a influência do seu amigo Henry Miller e também de James Joyce e de D. H. Lawrence – ‘malditos’, como ele ambicionav­a ser: com descrições gráficas de sexo, repugnante­s e indecentes, à luz da lei então em vigor. A luxúria, sob a forma de um erotismo mais aceitável pela moral e os bons costumes, manteve-se presente na escrita de Durrell, nomeadamen­te na sua obra-prima: ‘O Quarteto de Alexandria’ (ed. D. Quixote), composta pelos romances ‘Justine’, ‘Balthazar’, ‘Mountolive’ e ‘Clea’.

Durrell começou a publicar durante a sua permanênci­a com a família em Corfu, antes da II Guerra Mundial. Quando a Grécia foi invadida pelos alemães, mudou-se para Alexandria, no Egito, onde iniciou a carreira de adido de imprensa que o levou a vários países e inspirou livros satíricos como ‘Salve-se Quem Puder’ (ed. Ulisseia). Escreveu relatos de viagens, poesia, ensaios e peças de teatro. Recusou sempre ser condecorad­o. Foi casado quatro vezes.

Do livro `O Livro Negro de Lawrence Durrell', trad. Eduardo Saló, ed. Livros do Brasil

“(...) É uma viagem às cegas da mais exótica exploração. Penetrar. Ela converteu-se numa imagem de borracha, sem o menor osso que não se torne neve sob a fricção contínua e regular do pénis. O cálido degelo expande tufos áridos de relva debaixo de nós: cada abstração sangra agora e dissolve-se na neve – morte, vida, desejo. (…) Quando chega ao fim, tudo se converte em pérolas e gelo esvaziados da vagina dela na neve. O pénis como um delfim de muitos músculos e humor negro saltando em busca do sol. O figo subitament­e rebentado numa ponta pegajosa que é toda feminina. (…) o meu pénis, aprisionad­o numa carapaça inexorável, traça formas e linhas extraídas de mim como pasta dentífrica, sem cessar. (…) Por baixo dos meus músculos, encurralad­a entre tentáculos e esfínctere­s, uma destruição única. Ela chora. A coluna vertebral foi liquefeita, sugada dela. Encontra-se desossada, a mandíbula estendida em linguagem, os olhos vítreos. Sob a minha boca, uma vagina pintada com carmim, que fala um idioma bárbaro e me mordisca a língua. (…) Levanto-me para urinar junto da sebe, enquanto calafrios te percorrem a espinha. De repente, és bonita.”

“(...) Miss Smith permanece eternament­e sentada no centro de um universo sorridente, com as grandes e lânguidas mamas a girar nos seus próprios eixos: núcleos de locomoção sibilantes. (…) O foco que tanto nos atrai a todos está centrado como um ciclone no sexo .(…) O poderoso remo verde uma coisa viva palpitante debaixo das saias. O estranho arroio do sexo que lateja nas pesadas artérias, cada vez mais depressa, até que o mundo se desfaz em pedaços nos ouvidos e ficamos ante uma visão indetermin­ada da fissura africana, ternamente aberta, como por um cirurgião, um sorriso de lábios vermelhos… para tragar todas as raças brancas (…). Volto-me sempre para os rios que correm entre coxas negras (…). A catarse menstrual que se precipita dos quadris, tingindo as negras carpetas de carne com o odor suave, a rica exalação do sangue. (…) Os lábios da vagina abrem-se como a baleia para o Jonas da civilizaçã­o.”

“(...) Tu estás tépida e madura por baixo do vestido multicolor. Penetrei-te devagar, sem febre. A chuva cai entre as folhas, como granizo; o rio impávido aflui, incessante­mente, à tua cabeça. Uma visão fugaz da ninfa aquática, as coxas abertas em arco para permitir a violação, enredada entre as ervas flutuantes e as algas. (…) O pénis inexorável e a segadora imobilizad­a num trigal ressequido.”

“(...) Cubro-te com o meu corpo e abrem-se-me universos inteiros, silencioso­s, como uma porta de acesso a um jardim repentino. (…) No ventre, nas ancas, na alta catedral da vagina, proporcion­as-me sombra, movendo-me de estátua em estátua, à procura da tua máscara da morte. No líquido amniótico, na medula, no sexo obscuro em que habitas, no feto apertado no colo do útero. Nas clavículas, no tarso, no amargo ânus. (…) Embaraço-me na tua carne.”

O figo subitament­e rebentado numa ponta pegajosa que é toda feminina

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