“SAIU DO LODO E PISOU UMA GRANADA ARMADILHADA”
Integrei uma equipa de fuzileiros que tinha como missão a segurança das instalações da base e escoltas a embarcações
Colocávamos os populares no convés para evitar sermos bombardeados, mas os guerrilheiros atacavam na mesma
Fui chamado para cumprir o serviço militar aos 20 anos. Escolhi a Marinha de Guerra e fui aprovado para fuzileiro naval. Fiz a recruta na Escola de Fuzileiros e fiquei com o número mecanográfico 1635/64 FZ. A Companhia de Fuzileiros Navais nº 7, de que fiz parte, embarcou na fragata ‘Francisco de Almeida’, com destino à Guiné, no dia 2 de julho de 1965. Pelo caminho, o navio fez uma paragem de dois dias na Ilhas Desertas para a guarnição preparar as armas, visto que, depois de nos deixarem na Guiné, seguiriam para Angola, onde iriam cumprir a sua própria comissão.
À entrada no Golfo da Guiné fomos r e c e b i d o s p o r u m c a l o r abrasador e por um autêntico tornado, acompanhado de muita chuva. A borrasca foi tal que quase ficámos a boiar dentro da fragata. Chegámos, finalmente, à
Guiné, a 9 de julho de 1965. Tínhamos à nossa frente quase dois anos de guerra.
A minha companhia esteve sempre em Bissau, mas saíamos em missão com frequência. Buba, Bolama (antiga capital), Bambadinca ou Bula foram algumas das localidades onde desembarcámos. Tínhamos a nosso cargo a segurança das instalações da nossa base, escoltas a embarcações de mercadorias e a pessoas que se deslocavam para várias ilhas, e também a entrega de medicamentos às populações que se encontravam fora da cidade. Éramos quatro fuzileiros, armados com espingardas e bazucas, usávamos várias lanchas de desembarque e percorríamos os rios – alguns eram tão estreitos que os barcos batiam nas margens. Às vezes viajávamos em batelões, com pessoas e animais, tudo à mistura. Colocávamos os populares no convés para evitar sermos bombardeados, mas os guerrilheiros atacavam na mesma.
Perigo à espreita
Dávamos também apoio a operações do Exército e dos Paraquedistas, algumas das quais acabaram de forma trágica. Numa dessas missões, na região de Hoiu, morreu o sargento Matias. Era uma zona muito perigosa porque o inimigo tinha ali um quartel-general. Tínhamos acabado de sair do lodo que rodeava a embarcação quando o sargento pisou uma granada armadilhada. Em dois dias houve baixas em todas as forças – Exército e Paraquedistas. Ir para o mato era sempre muito perigoso. No decorrer das operações acontecia todo o tipo de episódios. No regresso de uma missão de ajuda à população encontrámos a nossa lancha bastante distante da margem. Como o nível da água do rio tinha baixado imenso, para chegarmos ao barco tivemos de entrar na bolanha [lodo em crioulo], começámos a ficar atolados e não conseguíamos andar nem para a frente nem para trás. Esta situação prolongou-se durante mais de duas horas até que as águas do rio voltaram a subir.
Mas nem tudo foi mau, tínhamos desporto e teatro para nos distrair nas horas mais serenas e tudo com a colaboração do nosso comandante Sousa Campos. Che
Ficámos presos no lodo durante mais de duas horas
guei a ser guarda-redes de andebol do Benfica de Bissau, equipa que participava no campeonato provincial da Guiné. Na estreia, goleámos o Sporting por 16-14. A nossa missão, o nosso trabalho e o nosso esforço foi reconhecido em dois louvores e uma menção de apreço do comandante da Defesa Marítima da Guiné, comodoro Francisco Ferrer Caeiro. Foram momentos de grande experiência de vida para mim, para os meus amigos e para os meus companheiros... embora com muitos medos, mas uma enorme coragem. Destaco o nosso comandante de companhia, o 1º tenente Sousa Campos, homem de grande humanidade; o subtenente Hélder Fernandes; o sargento Pacheco e tantos outros. Regressei a Lisboa num navio de guerra da Marinha Portuguesa, em maio de 1967.