UMA VOLTA CHEIA DE SONHOS COR-DE-ROSA
João Almeida já é o português com mais dias de liderança numa das Voltas mais importantes
Não era suposto estar em Itália, mas foi chamado para substituir um companheiro que se lesionou gravemente. Logo que se fez à estrada começou a dar nas vistas, saindo do anonimato. Agora tem uma mala cheia de camisolas cor-de-rosa, a cor de um sonho tranquilo, após uma jornada desgastante. João Almeida, o jovem ciclista de 22 anos que surpreendeu tudo e todos com a sua prestação na Volta a Itália em bicicleta, já entrou na história do ciclismo como o português com mais dias de liderança numa das maiores Voltas – ‘Giro’ de Itália, ‘Tour’ de França ou ‘Vuelta’ a Espanha. Afinal, quem é este ‘reserva’ que a equipa belga Deceuninck-quick Step tinha previsto levar para a Vuelta espanhola, mas foi obrigada a repescar para o Giro após a sua estrela, Remco Evenepoel, de 20 anos, ter caído numa ravina, no dia 15 de agosto, durante a Volta à
Lombardia? João Almeida, que pôs Portugal a falar de ciclismo, ao conquistar a liderança do Giro logo ao terceiro dia da competição, é natural de A-dos-francos. Nas últimas semanas, a vila do concelho das Caldas da Rainha também se vestiu com tons rosa, em jeito de homenagem ao ciclista.
João Pedro Gonçalves Almeida começou no desporto muito novo e experimentou várias atividades. Aos 3 anos praticava natação, aos 6 dançava no rancho folclórico de A-dos-francos, aos 7 passou para o futebol, aos 12 experimentou o BTT e só depois se apaixonou pelo ciclismo de estrada.
“Não era um grande dançarino, mas tinha jeito. Era muito engraçado e eu gostava imenso de o ver dançar”. Ana Patrícia, 42 anos, trabalha na loja social da IPSS Centro de Desenvolvimento Comunitário do Landal e é a mãe desta ‘Pantera Rosa’ – como já lhe chamam - que agora ‘dá baile’ no Giro de Itália. E é de sorriso nos lábios que olha para trás e recorda alguns momentos da infância e da adolescência do filho: a primeira bicicleta, aos 4 anos; a segunda, aos 7; as provas enlameadas de BTT; as horas passadas a subir e a descer as ladeiras da vila; as horas de estudo - neste momento tem a inscrição congelada no curso de Dietética e Nutrição, na Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa. Mas lá em casa há mais dois fãs de João Almeida: a irmã ‘superorgulhosa’, Matilde, de 8 anos, e o pai, Dário Almeida, de 46, mecânico. A família é o porto de abrigo do jovem ciclista e desde que começou o Giro, a 3 de outubro, anda cá e lá, com os nervos em franja. “É um bom filho, um bom miúdo, muito amigo e protetor da irmã.” No momento em que fala à nossa reportagem, Ana Patrícia procura horários de voos para regressar a Itália. Desta vez, tem mesmo de abraçar o filho, afeto que não lhe foi permitido demonstrar na visita anterior. Por causa da regras da pandemia, os pais não conseguiram aproximar-se do jovem: “Estivemos lá, foi emocionante vê-lo, mas nem lhe conseguimos tocar. Falámos à distância e de máscara. Mas foi bom estar ao pé dele.”
A mãe, que chegou a segurar uma bandeira portuguesa à passagem do filho numa das etapas, reconhece que o esforço de João é gigantesco: “Estou muito orgulhosa de tudo o que ele já fez e da luta que deu desde
“Estivemos lá, foi emocionante, mas nem conseguimos tocar-lhe. Falámos à distância e de máscara ANA PATRÍCIA ALMEIDA FUNCIONÁRIA DE IPSS E MÃE DE JOÃO ALMEIDA
o início para manter a liderança.” Dário Almeida já passou muitas horas em redor da bicicleta do filho, a montar e a desmontar. Sabe que o jovem nunca participou numa prova tão longa, de três semanas, e a poucos dias do final mostrava-se esperançado na sua ‘maglia [camisola] rosa’: “Está motivado, acho que não vai quebrar.” Mas a pandemia, as montanhas, o frio, a neve, a chuva são demasiadas variáveis em jogo.
Um jogo que o madeirense José Pedro Fernandes, 50 anos, conhece muito bem. Este antigo ciclista, que se lesionou aos 22 anos numa prova na Venezuela, foi o primeiro treinador de João Almeida. O jovem tinha 12 anos quando lhe bateu à porta da Escola de Ciclismo do Oeste Ecosprint, de Caldas da Rainha: “É um miúdo certinho, disciplinado, assimila muito bem a carta de treino, já tinha um perfil de atleta, alto, magrinho, bem constituído. Quando começou a dar nas vistas, deixei de ter condições para o manter e vieram buscá-lo.”
Atento à prestação de João Almeida está também o antigo ciclista português Marco Chagas, apesar de não o conhecer pessoalmente: “Vê-se que é um miúdo tranquilo, com uma boa postura, se assim não fosse teria abanado, logo aos primeiros dias. Tem uma grande classe e é feito de uma fibra enorme. Psicologicamente pode ser muito forte e ter um comportamento de grande qualidade, mas tem de ter valores físicos muito bons para conseguir fazer o que já fez no Giro.”
Marco Chagas lembra que João Almeida ainda é sub-23 e que esta é a sua primeira temporada ao mais alto nível. “Já ganhou um estatuto, na equipa e no ciclismo nacional, que não vai perder e que é ser líder, aos 22 anos, de uma equipa de nível internacional”, diz, recordando, que ainda “temos um campeão do mundo em atividade, que é o Rui Costa, e um vice-campeão olímpico, que é o Sérgio Paulinho”. A melhor prestação no Giro cabia a Acácio da Silva, que, em 1989, venceu três etapas.