JOÃO SOARES: PSEUDÓNIMO SEM FILTRO
Polémicas, bom humor e alguns amargos de boca
João Barroso Soares (n. 1949) é um político e editor cuja incursão pela literatura eróti
ca surpreendeu muita gente. Um ano depois de perder a Câmara de Lisboa para Santana Lopes nas autárquicas de dezembro de 2001, escreveu um livro onde fez o balanço da sua vida política até então: ‘Virar de Página’ (Ática). Mas se encerrou um capítulo da vida pública e também pessoal – pela mesma altura divorciou-se e voltou a casar –, abriu outro na sua atividade literária. Em 2002 foi lançado em espanhol um livro de contos do autor alemão Hans Nurlufts intitulado ‘El Síndrome de la Hormiga’ (‘A Síndrome da Formiga), pela editora Cicon, de Granada. Tanto o nome do autor como a fotomontagem na contracapa confirmam tratar-se de uma brincadeira: Hans Nurlufts é um jogo de palavras (em alemão, Hans é diminutivo do equivalente a João, Nur significa só e Luft é ar) e o retrato fala por si. João Soares é o contista e o seu pseudónimo mergulha de cabeça em aventuras sexuais impróprias para cardíacos. Da mesma época é ‘Vidigueira’, publicado em inglês, que indica como editora a Worldforum, da Nova Zelândia, e vem assinado por John Sowinds. João Soares tem todas as razões para sorrir à vida, depois da sorte que o bafejou em 1989, quando o avião em que seguia se despenhou em Angola. Tratado na África do Sul, sobreviveu para continuar uma carreira política pontuada de polémicas que, se lhe deram alguns amargos de boca, também lhe alimentaram o bom humor.
“Mergulha de cabeça em descrições eróticas com bolinha vermelha
“Guardo desse momento, único, a mais doce das recordações
Do livro `El Síndrome de la Hormiga', ed. Cicon Ediciones, trad. JPF
Café de Liège
“(…) Por todas as partes, e de todas as partes, tinha-lhe expressado o meu arroubo, o meu desejo, a minha ternura.
Mas só em Barcelona surgiu a oportunidade para que me abrisse tranquilamente as suas belas pernas e me deixasse admirar a sua cona.
Nessa época, ela tinha rapado os pelos, de uma forma simétrica e retangular, prolongando na vertical o recorte dos lábios da cona. Uma cona muito bela, contida nas suas diversas dimensões, equilibrada e tranquila nas suas proporções. Uma cona deliciosa que hoje conheço muito bem, profundamente. Podia dizer até, usando a expressão tradicional dos russos, ainda que não se ajuste de todo ao caso, como às minhas próprias mãos.
O meu conhecimento, este sim, formou-se através das mãos, dedos, olhos, sexo e boca. Sobretudo muita, muita boca.
E é tão deliciosamente saboroso lamber e beber da cona dela. Eu podia passar horas infinitas nesse encantamento de chupar e lamber aquela delícia.
Confortavelmente estirado numa cama ou no chão, aos seus pés, apoiado na beira da cama ou num sofá. Descendo tranquilamente a minha boca e a minha língua desde os seus lábios, humedecidos por aquilo que vem dela mesma, até ao belíssimo botão de rosa da entrada.
Uma vez acordei-a, a meio da noite, lambendo-a de forma tranquila e muito suavemente; e guardo desse momento, único, a mais doce das recordações. A boca é para mim um elemento decisivo do amor e da relação amorosa. Do amor porque expressa, como quase nenhum outro órgão do nosso corpo, os nossos estados de alma e, portanto, os nossos estados amorosos. Numa boca lê-se, quase sempre de imediato, aquilo que nos ocorre ao espírito. E com a boca podem fazer-se as coisas mais gostosas que dois seres humanos podem fazer um ao outro. Com a boca morde-se, com a boca chupa-se, com a boca lambe-se e engole-se. Pela boca bebe-se.
Em Barcelona bebi-a longa, longamente. Depois, pouco tempo depois, ela também quis beber-me. E foi um gesto de amor e de entrega, como todos os verdadeiros gestos de amor e que marcou a nossa relação apaixonada. Guardo na minha memória algo profundamente grato, a forma simples como me disse também quero beber-te. E como me disse um dia, depois de uma noite de amor que terminou de madrugada com ela bebendo-me, esta manhã tive sempre o teu gosto na minha boca.
A Catalunha e os seus encantos estão indissoluvelmente ligados a Nuria. (…) Os catalães movem-se de forma desafogada nas diversas instituições da União Europeia. E onde haja um euro disponível, lá estão eles fazendo o seu ‘lobby’ (...). Nuria era uma jovem intérprete numa agência privada que tinha como principal cliente a Generalitat [governo regional] da Catalunha e o Ayuntamiento [câmara municipal] de Barcelona. Licenciada em Ciências da Comunicação na Catalunha, tinha completado um curso de pós-graduação na universidade estatal de Liège [Bélgica]. (…)”